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Sistema presidencialista está em xeque com emendas impositivas, avaliam especialistas no STF

   

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), realiza nesta sexta-feira (27), uma audiência pública para discutir o impacto das emendas parlamentares no equilíbrio fiscal do Brasil, na sustentabilidade da dívida pública, na separação de poderes e na eficiência da gestão dos recursos públicos. Dino é relator de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) que questionam não só a impositividade das emendas legislativas, mas a ausência de critérios de transparência e rastreabilidade no manejo dos recursos públicos. 

 

No começo da sessão, o magistrado enfatizou a necessidade de diálogo entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e a prevalência do interesse público sobre qualquer que seja o debate. “No sistema de tripartição funcional de poderes não há lugar para vontades unilaterais. Deve prevalecer o mandamento constitucional da independência com harmonia, ou seja, o diálogo entre os poderes quando tratamos de um tema de interesse nacional”, afirmou Dino, usando a arquitetura de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, ao conceberem o projeto das sedes dos Três Poderes, como metáfora. 

“A Praça dos Três Poderes tem, evidentemente, os três edifícios sedes, respectivamente do Judiciário, no caso do Supremo, Legislativo, Câmara e Senado, e Poder Executivo, o Palácio do Planalto. Porém, ninguém pode esquecer que no centro dessa arquitetura está exatamente a praça, ou seja, os donos do dinheiro público, os protetores da soberania popular, que são, portanto, aqueles que sobre os quais nós devemos parametrizar toda a ação dos três poderes”, disse o ministro. “Se eventualmente nós não tivermos emendas parlamentares ajustadas a sua finalidade, novamente a conta é repassada para a praça”, completou. 

O ministro mencionou uma “desinformação agressiva” por parte de agentes políticos que tratam de atribuir a ele, individualmente, as decisões sobre o tema das emendas parlamentares e lembrou que todas as determinações proferidas na ação foram referendadas pelo plenário do Supremo. 

Presidencialismo em xeque

Dino afirmou que a problemática não é tema de governo, já que as emendas impositivas foram criadas em 2015, passando pelos governos de Dilma Rousseff, Michel Temer, Jair Bolsonaro e o atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E lembrou que “o mesmo Congresso” que aprovou as emendas impositivas, também decidiu sobre o sistema de governo brasileiro, o presidencialismo. 

“Se o Congresso Nacional quiser tirar o presidencialismo da Constituição, pode tirar, assim como também pode desconstitucionalizar o devido processo legal orçamentário, mas enquanto estiver na Constituição, não se cuida, portanto, de uma invasão do Supremo e sim de um dever. Se nós temos normas constitucionais que estão aparentemente em dissonância, a harmonização de tais normas é uma atividade tipicamente jurisdicional em todos os países do mundo, enquanto o Brasil foi um regime democrático. Portanto, não há nenhum intuito de usurpação de atribuições de outros poderes.”

Representando o Partido Socialismo e Liberdade (Psol), que é autor de uma das ADIs sob relatoria do ministro Flávio Dino, o advogado Walfrido Warde Júnior recordou o plebiscito popular realizado em 1993, que referendou o sistema presidencialista sobre o qual é governado o Estado brasileiro e a centralidade do presidente da República como executor do orçamento público. 

“O que nós discutimos aqui é se é constitucional ou inconstitucional afastar as atribuições do presidente da República como diretor geral da administração pública federal. O que nós discutimos aqui é se nós vamos abolir o presidencialismo e atribuir a apropriação ou tornar legal a apropriação do orçamento pelo parlamento, sem as devidas responsabilidades que a Constituição atribui ao presidente. É saber se prevalece este modelo de apropriação do orçamento que se estabeleceu a partir de 2015 e que se reforçou em 2019 e em 2024 por emendas à Constituição”, disse o advogado, evocando os princípios de separação e harmonia entre os Poderes. 

“Sem harmonia, o que se manifesta não é um centro defletor independente de poderes do Estado que emanam do soberano, mas uma corruptela. ainda que bem disfarçada, que é ilegítima, ilegal, inconstitucional e profundamente nociva por perverter o sistema de finalidades do programa constitucional. Uma situação em desarmonia ou uma atuação em desarmonia é, portanto, usurpação de poder”, afirmou.

Rafael Valim, também advogado do Psol, afirmou que não se trata de enfraquecer o papel do Legislativo, mas devolver a cada poder as atribuições que lhe foram aferidas pelo constituinte.  “A declaração de inconstitucionalidade da impositividade das emendas parlamentares é indispensável ao restabelecimento do nosso projeto constitucional consagrado em 88 e que foi o resultado, o produto da nossa soberania popular.” 

Já o professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Ingo Wolfgang Sarlet, destacou que não há referência de comparação com o atual nível de controle do parlamento sobre o orçamento público em países com sistemas presidencialistas de governo. 

“Numa comparação feita com 11 países membros da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico], eles conseguem demonstrar que todos os países, todos os países pesquisados, mesmo nos Estados Unidos da América, o processo orçamentário é amplamente controlado pelo poder Executivo. Ao legislativo cabe fiscalizar, controlar e o debate, mas jamais imposição sobre as prioridades nacionais e a qualidade do gasto em nenhum dos países examinados”, ressaltou.

Impacto no sistema federativo

O ministro Flávio Dino lembrou, durante a audiência, que as assembleias legislativas e câmaras municipais têm aprovado a impositividade das emendas orçamentárias em outros âmbitos federativos, de modo que os valores estimados em emendas parlamentares, calculado em R$ 50 bilhões, direcionados ao Congresso Nacional, podem na verdade, ser muito maiores. 

“As assembleias legislativas estão também legislando sobre o assunto, como também as câmaras municipais. Então, muito provavelmente a conta de R$ 50 bilhões por ano é uma estimativa, a estas alturas, muito minimizada. Porque provavelmente nós estamos falando seguramente de mais de R$ 100 bilhões por ano, envolvendo os três níveis da federação”, destacou. 

Ministro Flávio Dino é relator de três ações que questionam a constitucionalidade das emendas impositivas. Foto: Rosinei Coutinho/STF
 

Sobre esse aspecto, Dino foi acompanhando no debate pelo governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (União), que o atual sistema de emendas impositivas tem criado uma anomalia dentro da administração pública brasileira. “Essas emendas hoje servem muito mais como instrumento da gestão política dos seus atores, de interesses eleitorais, do que dos interesses maiores da sociedade brasileira do nosso país”, disse o governador. “Não quero criticar governo A, B ou C. Em um retrospecto de 20, 30 anos, isso só vem piorando”, avaliou.

Corrupção da “vontade” popular

A vice-coordenadora geral da organização Transparência Eleitoral Brasil destacou que o atual sistema de emendas impositivas, com baixíssimo nível de transparência e capacidade de rastreabilidade dos recursos tem impacto sobre o sistema eleitoral, promovendo a criação de verdadeiros feudos eleitorais.

“As emendas parecem se direcionar para a estabilização de um legado e isso confronta e conflita diretamente com a política de recuperação que o Supremo Tribunal Federal estabeleceu aqui para as mulheres e para os negros. Nós temos 82% de prefeitos reeleitos. Desses 82% só 14% são mulheres, 4% são negras. É só fazer conta. Esta política não produzirá efeitos diante desse cenário”, destacou a pesquisadora, chamando a atenção para o potencial de anulação de ações afirmativas conquistadas graças à pressão social.

“E se a distribuição de recursos públicos é capaz de anular uma ação afirmativa ou é capaz de anular a possibilidade de concorrer à igualdade de condições, ele é um problema em si”, afirmou. 

Economicamente insustentável 

Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, centrou sua intervenção nos impactos das emendas impositivas para os dados da macroeconomia, demonstrando ser insustentável o atual sistema de transferência de recursos. Segundo Salto, o orçamento público brasileiro apresenta uma rigidez orçamentária de 92%, com imensa dificuldade de produzir superávit. 

“Como eu produzo superávit primário, se o Congresso não aprova propostas de aumento de arrecadação e, por outro lado, não aceita também cortar gastos e também não propõe cortes dos próprios gastos, ao contrário, tornem positivos esses dispêndios que deveriam ser discricionários?”, questionou o especialista, defendendo diretamente o corte das emendas, que hoje rondam os R$ 50 bilhões de reais no âmbito federal, com projeção de aumento nos próximos anos.

“Nós precisamos cortar as emendas. As emendas, no patamar em que estão, prejudicam a sustentabilidade fiscal e impedem o executivo de executar a sua função precípua. Ele que cuida do orçamento”, seguiu o professor. “O Executivo, por melhor que seja a regra fiscal, está de mãos amarradas. Não só esse governo, o governo passado, o que vier, cada vez pior, porque ele não consegue mais ter os instrumentos necessários para fazer o mínimo e produzir um resultado fiscal civilizado, razoável”, destacou.

Os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que estavam na programação do evento, desistiram de participar da audiência e serão representados por advogados das Casas.

A sessão é transmitida ao vivo pela TV Justiça.

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