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Recuperar e melhorar o solo pelo uso é vocação dos sistemas agroflorestais

   
   

As consequências das mudanças climáticas provocadas pelo ser humano estão cada vez mais evidentes, frequentes e agudas. Isso mostra-se mais visível a cada ano que passa, com catástrofes climáticas como secas em algumas regiões e enchentes em outras, ciclones, calores extremos, entre outros.

 

Porém, o que pouca gente sabe atualmente é que um dos grandes causadores desse desequilíbrio é o mau uso do solo pela agricultura convencional. As monoculturas extensivas retiram camadas de solo fértil, expõem a terra à chuva e ao sol, levando grandes áreas à infertilidade e compactação extrema.

A chamada desertificação ocorre em diversos pontos do planeta, soltando toneladas de carbono na atmosfera. Como dizia a agrônoma Ana Primavesi, “o homem é o que o solo faz dele” e, portanto, a falta de saúde no solo impacta em todas as formas de vida no planeta.

 

Para o professor de geografia e agroflorestor Vicente Guindani, morador do sítio Florestaria Tarumin, em Gravataí-RS, o uso do solo tem sido, nos últimos anos, o maior responsável pelas emissões de gases estufa no Brasil, causadores do aquecimento global.

Segundo ele, a cada ano que passa os efeitos das mudanças climáticas, decorrentes de manejos inadequados do solo, aprofundam o colapso dos serviços ecossistêmicos que sempre foram nosso principal sistema inteligente de proteção. “A perda da capacidade de infiltração e drenagem dos solos, no campo e na cidade, sobrecarregam os rios e cursos d’água a cada ano que passa, favorecendo a ocorrência de enchentes e inundações como as de 2024.”

O geógrafo afirma que os sistemas agroflorestais são importantes exemplos de alternativas que invertem o paradigma do desenvolvimento x preservação | Foto: Clarissa Londero
 

Por outro lado, ainda que a agricultura convencional esteja intimamente ligada ao aquecimento global, vemos um movimento crescente em todo o mundo de formas de plantios agroecológicos, que trabalham regenerando espaços degradados e aumentando a saúde no solo. Essas iniciativas, ainda muito ligadas à agricultura familiar e ao sustento de pequenos produtores, apresentam alternativas para frear o colapso global, sequestrando carbono da atmosfera, gerando solos permeáveis e aumentando fertilidade e biodiversidade. 

“Diante de um cenário tão devastador e de práticas que aceleram a marcha da civilização rumo a um abismo climático e social sem volta, soluções importantes estão postas, brotam em todos os biomas, são testadas, aplicadas, amadurecem”, acredita Guindani. 

O geógrafo afirma que os sistemas agroflorestais, a agricultura e a pecuária regenerativas, a agroecologia de maneira geral, tanto em suas expressões mais ancestrais como em metodologias mais contemporâneas, seja em grandes fazendas, nos quintais, nas praças ou nas escolas, são importantes exemplos de alternativas que invertem o paradigma do desenvolvimento x preservação.  

Para o agroflorestor, nosso caminho agora como humanidade é conseguir focar esforços e recursos para que esses conhecimentos e tecnologias possam ser desenvolvidos e ampliados – Foto: Clarissa Londero
 

“Esse sistema prova que as florestas em pé, aliadas à produção agrícola, abrem inúmeras possibilidades de geração de renda, de acesso a uma alimentação saudável e, simultaneamente, através do uso, conduzem ao aumento da biodiversidade, à recuperação de áreas degradadas e ao restabelecimento de serviços ecossistêmicos”, defende.

Para o agroflorestor, nosso caminho agora como humanidade é conseguir focar esforços e recursos para que esses conhecimentos e tecnologias possam ser desenvolvidos e ampliados. “Os agricultores que trabalham com sistemas de regeneração precisam de apoio dos governos, entidades, universidades e grandes empresas para que possam reflorestar biomas degradados e produzir alimento de qualidade.”

E ele complementa que “apesar de o momento ser de extrema urgência, vivemos uma oportunidade histórica de ser parte da mudança de patamar dos sistemas agroflorestais. Com mais investimentos e incentivos, políticas públicas e pesquisa, sobretudo equipamentos e máquinas específicas para sistemas agroflorestais, será possível elevar a eficiência, a geração de renda e incentivar quem quer plantar comida junto com as árvores, cultivando e cuidando de agroflorestas”.

“Vivemos uma oportunidade histórica de ser parte da mudança de patamar dos sistemas agroflorestais”, afirma Guindani
 

O papel do ser humano não é somente o de guardião observador de áreas de preservação permanente e, sim, de protagonista no plantio da regeneração das florestas do planeta. A conexão humano-natureza se torna ainda mais necessária, pois ao seguirmos nos distanciando como seres alheios à natureza, o colapso ambiental e social é uma realidade a ser trilhada. Porém, se assumirmos nosso papel como parte atuante e fundamental da vida da floresta, temos condições de reverter o antropoceno.

Como explica Guindani o uso do solo pode ser regenerativo. “Se a pele da Terra está exposta até o osso, onde a água já não entra e nem o carbono pode ser fixado, é preciso cicatrizar a ferida às pressas. Recuperar e melhorar o solo pelo uso, assim como faz a natureza, é vocação dos sistemas agroflorestais e é, também, um convite a relembrar nossa natureza animal e memória ancestral: somos um ser querido, excelentes plantadores de florestas.”

Projeto Agroflorestas Medicinais: Regenerando a Terra e o Ser é uma formação para mulheres realizada pela ONG Pachamama e viabilizada com apoio do Fundo Casa Socioambiental – Foto: Clarissa Londero
 

Guindani é um dos instrutores do projeto Agroflorestas Medicinais: Regenerando a Terra e o Ser, uma formação para mulheres realizada pela ONG Pachamama e viabilizada com apoio do Fundo Casa Socioambiental. O grupo de mulheres se reuniu no último final de semana no sítio do agroflorestor para iniciar os estudos dos SAFs. Esse foi o primeiro encontro de quatro sobre agroflorestas. O projeto visa disseminar os conhecimentos de agricultura sintrópica e implementar duas agroflorestas medicinais na região de Morungava/RS.

* Jornalista, coordenadora do projeto Regenerando a Terra e o Ser e moradora da comunidade Cambyçara, em Morungava (RS)

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.