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Nova sede administrativa do governo de SP beneficia empresas e especulação: entenda a proposta

   

A gestão Tarcísio de Freitas publicou, na última terça-feira (24), o edital de licitação para execução da obra que transformará a região central da cidade na nova casa das secretarias estaduais. Os documentos servem para orientar e atrair empresas interessadas em construir, gerenciar e lucrar com o espaço. Aos interessados, o governo propõe uma concessão de 30 anos e uma contrapartida generosa: para ocupar o espaço, poder público pagará contraprestação que pode chegar a cinco vezes o valor total da construção.

 

A estimativa de custo do desenvolvimento da obra é de R$ 5,4 bilhões. Desses, apenas R$ 2,4 bilhões serão efetivamente desembolsados pela empresa vencedora da licitação. O restante, mais da metade do custo, será pago pelo governo durante a evolução da obra. Terminada a obra, seguirá a cargo da empresa a manutenção, reformas, gestão e operação do espaço. Por esse serviço, o governo pagará, mensalmente, uma parcela de até R$ 69 milhões. A empresa escolhida terá também o direito de exploração comercial do espaço, inclusive no interior dos prédios da administração pública.

O edital foi anunciado com ares de inovação. Em um vídeo nas redes sociais, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que o projeto será uma das maiores requalificações urbanas da cidade. O edital, ele diz no vídeo, promove “valorização do patrimônio e presença real do Estado”. Em sua propaganda, o governador cita os valores da obra, mas não quem arca com cada parte.

A proposta de renovação da região ganha corpo enquanto se acelera, sob protestos e com uso de força policial, a remoção de moradores da Favela do Moinho, último grupo de uso popular do espaço do centro da cidade. O governo planeja utilizar parte da região para expansão dos trilhos da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), além da construção de um parque e de um novo palacete do executivo estadual. A futura obra não integra o edital já publicado.

Para Rodrigo Iacovini, diretor-executivo do Instituto Pólis, organização que pensa e discute o espaço urbano e o direito à cidade, Tarcísio está tocando “um projeto nitidamente violador do direito à cidade”. Ouvido pelo Brasil de Fato, o urbanista analisou a proposta e discutiu como não apenas o edital beneficia a empresa vencedora, mas todo o projeto acelera a exploração imobiliária e a gentrificação da região, sem retorno social.

Projeto ‘evidentemente visa repasse de recursos públicos para a iniciativa privada’

“Esse é um projeto que visa alimentar a máquina especulativa urbana de São Paulo, visa fomentar projetos imobiliários e do setor de construção, em detrimento da permanência e da garantia de direitos de uma população que já vive na região central”, Iacovini explica. Com o projeto, não apenas será beneficiada a empresa vencedora da licitação, ele explica, mas “todos os especuladores imobiliários que deixaram imóveis vazios na região”. Para o especialista, o plano de Tarcísio será um dinamizador do processo de gentrificação do centro da cidade, e com isso a valorização dos imóveis na região, que já é maior do que a média, impedindo que grupos vulnerabilizados sigam residindo nesta área da cidade.

Isso pode impactar de maneira diferenciada, Iacovini aponta, mulheres negras, chefes de família, pessoas com deficiência e pessoas trans, pela dificuldade de acesso ao mercado formal de imóveis. Com a especulação, esses grupos terão ainda menos chance de morar em uma região da cidade que já possui infraestrutura e acesso a serviços importantes à população. “Esse é um projeto que viola ainda mais o direito dessa população à cidade. No longo prazo, é violado o direito à moradia de uma série de pessoas que hoje moram no centro da cidade pagando um aluguel baixo e depois não poderão pagar”, ele vislumbra.

Em agosto de 2024, um levantamento do Instituto Pólis descobriu que centro de São Paulo possui 87 mil imóveis vagos que poderiam ser utilizados como moradia. “É um acinte que, com tanta gente precisando de moradia, o governo escolha subsidiar um projeto nababesco como esse, que evidentemente visa repasse de recursos públicos para a iniciativa privada sem qualquer retorno social”, Iacovini, que coordenou o estudo, afirma. Ao refletir sobre o edital à luz das tentativas do governo do estado de remoção dos moradores da Favela do Moinho, ele aponta que o movimento “deixa nítido o caráter higienista, elitista e especulativo que esse processo de transformação da área central possui”.

Investimento alto, retorno ainda mais

O edital serve para atrair companhias, nacionais ou estrangeiras, que tenham interesse em assumir a construção, reforma, adequação, manutenção, conservação, gestão e operação da região que abrigará os novos prédios administrativos do executivo estadual.

Entenda abaixo os principais pontos do edital, quem pode participar e quanto a “parceria” vai custar aos cofres públicos.

Quem pode participar – Estão habilitadas empresas, individualmente ou em consórcio, brasileiras ou estrangeiras, cuja natureza de operação comporte atuação tanto no setor da construção civil quanto na gestão do complexo. Estão proibidas de participar empresas que tenham impeditivo de participar de licitações públicas em qualquer estado brasileiro, tenham sido condenadas por crimes ambientais, estejam com falência decretada, tenham sido condenadas por improbidade administrativa ou tenham, nos cinco anos anteriores à publicação do edital, sido condenadas por trabalho infantil ou situação análoga à escravidão. Em caso de empresas estrangeiras, deverá haver representação no Brasil.

Empresas devem apresentar declaração de capacidade financeira que ateste disponibilidade ou capacidade de obter recursos para a empreitada. Concorrentes deverão criar Sociedade de Propósito Específico (SPE), uma espécie de sub-empresa, que será responsável por todos os aspectos do projeto e tratará diretamente com o governo. A sociedade precisará ter capital social mínimo de R$ 543 milhões, 10% do custo total estimado da obra, mas apenas R$ 108 milhões precisam estar em capital integralizado – isto é, ter sido efetivamente investido na companhia.

As empresas precisarão fornecer uma “garantia de proposta” ao governo no ato da inscrição para o edital, no valor de R$ 54 milhões. A verba pode ser alocada em dinheiro, títulos da dívida pública, seguro-garantia, título de capitalização ou fiador.

Quanto a obra vai custar – O edital estima o investimento para que o Centro Administrativo Campos Elíseos exista é de R$ 5,4 bilhões. Esse valor, porém, o texto destaca, não poderá ser invocado pela empresa vencedora como algo oficial caso a obra ultrapasse o montante. Os custos, inclusive trabalhistas, para gestão da operação do novo complexo, não integram este valor.

Quem vai pagar – O projeto é uma parceria público-privada. É o governo, porém, que arcará com a maior parte dos custos da obra. A documentação prevê que os investimentos para execução do projeto devem ser realizados pela empresa ou consórcio vencedores da licitação. Ao atingir marcos de execução da obra, no entanto, a companhia receberá aportes para custear o investimento nos “bens reversíveis” – construções que, ao final da concessão, retornam gratuitamente à posse do poder público, incluindo as quadras utilizadas, imóveis tombados e imóveis comprados ou construídos pela empresa vencedora. Ao todo, o governo estadual devolverá aos investidores R$ 3 bilhões, 55% do custo total.

Após a finalização do complexo, a empresa vencedora da licitação seguirá sendo a responsável pelos investimentos para gestão do espaço. Como contrapartida pela manutenção do espaço e gestão operacional, as companhias receberão até R$ 69 milhões por mês do poder público, em uma lógica parecida com o aluguel, mas nomeada no edital como “contraprestação pública mensal”.

Como e quando será escolhida a empresa vencedora – O edital prevê que vencerá a licitação a empresa que, habilitada, oferecer o maior desconto sobre a contraprestação pública mensal. O teto foi estabelecido em R$ 69.039.844. Quem oferecer menos, leva. Não há número mínimo de interessados para validade do edital, o que significa que é possível, nessa situação, que seja firmado um contrato sem qualquer desconto.

A abertura dos envelopes de proposta está marcada para o dia 10 de outubro, na sede da B3.

Direitos comerciais – Além de receber a contraprestação pela gestão do espaço, a empresa vencedora terá direito de exploração comercial de espaços do complexo. Os espaços térreos dos prédios administrativos deverão conter lojas de conveniência, restaurantes e cafeterias em quantidade e porte suficiente para atender a demanda estimada. Além disso, é facultada à empresa a veiculação de publicidade no interior dos prédios – exceto de bebidas alcoólicas, cigarro e jogos de azar –, a instalação de estacionamentos privados, o uso de teatro e sala de conferência e eventos e a locação de espaços, exceto para eventos políticos ou religiosos.

Quanto tempo dura a concessão – À empresa vencedora, será concedido o direito de gestão operacional e exploração comercial do espaço por 30 anos. Ao final do período, o edital prevê o retorno dos bens e da gestão ao poder público.

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