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No STF, advogado da Câmara dos Deputados diz que emendas impositivas são instrumento de ‘oposição’ ao governo

   

Durante a audiência pública sobre as emendas parlamentares, realizada nesta sexta-feira (27), no Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado da Câmara dos Deputados, Jules Michelet, afirmou que o orçamento impositivo do Congresso é uma forma de fazer “oposição” ao governo. 

 

“É um instrumento de minorias e principalmente um instrumento de oposição, que é justamente um dos principais elementos de justificação do processo Legislativo”, disse o advogado, que qualificou a impositividade das emendas como uma forma de “democratizar o orçamento”. 

Os presidentes da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado Federal, Davi Alcolumbre (União-AP), desistiram de participar da audiência convocada pelo ministro Flávio Dino, e enviaram seus advogados levar ao Judiciário os argumentos públicos para a defesa da constitucionalidade do orçamento impositivo. 

“Presidencialismo de cooptação”

Pelo Senado, coube à advogada-geral da Casa, Gabrielle Tatith, fazer a defesa do atual sistema de alocação de recursos orçamentários através das emendas impositivas. Ela trouxe afirmações contrárias às evidências apresentadas por estudiosos e especialistas na primeira parte da audiência, pela manhã, mencionando dados internos do Senado e de consultorias privadas contratadas pelo parlamento.  

A advogada justificou a necessidade das emendas impositivas pelo sistema de coalizão política historicamente vigente. “O presidencialismo de coalizão brasileiro impõe a formação de governos com grandes coalizões para garantir a governabilidade, e o processo orçamentário se torna o coração das relações políticas entre Executivo e Legislativo”, afirmou Tatith, negando ainda que o orçamento impositivo afete a governabilidade ou tenha qualquer relação com o alto índice de reeleição dos parlamentares.

Essas alegações já haviam sido refutadas previamente pelo professor de Direito Constitucional da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Ingo Wolfgang Sarlet. “O argumento de que no Brasil temos um presidencialismo de coalizão também não se justifica, pois há pesquisas que mostram que a ampliação obrigatória das emendas, em vez de representar o fator de estabilização da democracia, acaba por provocar maior desequilíbrio político e piorar a governabilidade”, disse o especialista.

Por sua vez, o procurador Roberto Levianu, representando o Instituto Não Aceito Corrupção, chamou o atual sistema de governo de “presidencialismo de cooptação”, e destacou que as emendas impositivas “desafiam a lógica republicana”.

Os advogados gerais do Senado, Gabrielle Tatith (à esquerda), e da Câmara dos Deputados, Jules Michelet (à direita), únicos que defenderam a manutenção das emendas impositivas na audiência pública. Foto: Ton Molina/STF
 

“Isto não é presidencialismo de coalizão, é um presidencialismo de cooptação. É uma troca de nacos de poder pela estabilidade política no Congresso. No Brasil estamos fora da caixinha”, disse Levianu. “Lamentavelmente prepondera o rasgo interesse egoístico pela perpetuação no poder, pela inexistência de limites no número de mandatos sequenciais na Câmara e no Senado. O que desafia a lógica republicana”, completou.

Congresso aumenta emendas, mas exige compromisso fiscal do governo

Sobre o crescimento vertiginoso do valor das emendas parlamentares, Tatith ignorou a necessidade de equilíbrio e afirmou apenas que a “Constituição não traz limitações quantitativas às emendas, apenas qualitativas”, e jogou no colo do Executivo a responsabilidade pela condução da política fiscal.

“As emendas não eliminam os espaços legítimos de atuação do Executivo, como o contingenciamento”, disse a advogada, que considerou o conjunto de emendas constitucionais que institucionalizaram o orçamento impositivo do Legislativo uma “aprimoração” da participação do parlamento na execução orçamentária.

Logo após a fala da advogada, e sem mencionar o Congresso, Dino comentou a inversão de valores da política em um país “obscenamente desigual”, obrigando muitas vezes o STF a decidir sobre temas relativos à atividade política.

“Nós temos um conflito mais profundo que não se vê, que é o conflito entre quem fica com o quinhão do dinheiro público, que é próprio de uma sociedade obscenamente desigual, como a sociedade brasileira. Então, se é para cortar, corte dos menos consagrados pela sorte ou pelos privilégios. E se é para tributar, tribute também eles, porque afinal eles merecem. Para ascender ao reino dos céus, provavelmente eles têm que pagar mais impostos”, disse o magistrado em tom de ironia.

“Alguém, em algum momento, tem que decidir. Nós desejamos que seja arena política, e por isso estamos aqui reunidos, porque se fosse apenas uma visão jurisdicional clássica, o processo já estaria em pauta [sem debate]”, afirmou Dino.

Pulverização do orçamento

A representante da organização Transparência Brasil, Juliana Sakai, destacou a pulverização do orçamento e o descolamento entre a destinação das emendas parlamentares com o projeto nacional, também eleito pelo povo.

“As emendas não são vinculadas a ações estruturantes previstas no plano plurianual e tampouco são associadas na origem a metas e ações de interesse nacional como redução das desigualdades. Prefeitos e hospitais filantrópicos, por exemplo, passam o chapéu para comprar ambulâncias e equipamentos de raio-x com emendas. Há uma relação de subserviência com o parlamentar que assume o papel de salvador do município”, destacou.

Por outro lado, Sakai reconheceu que, a partir de determinações do próprio Supremo, foi possível chegar a entendimentos mínimos para transparência e controle dos recursos, mas propôs que sejam feitas mudanças estruturantes. “Os avanços até agora alcançados devem ser reconhecidos, mas não podem ser utilizados como pretexto para manutenção de um mecanismo que notadamente vai na contramão do interesse da nação”, afirmou.

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