A Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares (RNMP) publicou uma nota em que expõe preocupações com alguns aspectos do programa Agora Tem Especialistas, lançado pelo Ministério da Saúde recentemente. Mesmo considerando que a política traz avanços importantes para a atenção especializada no Sistema Único de Saúde (SUS), a organização alerta para riscos de ampliação da dependência do setor privado.
Com objetivo de reduzir o tempo de espera por consultas e exames, a nova política inclui ações como ampliação de turnos em hospitais públicos, uso de unidades móveis, expansão de programas de residência médica e o credenciamento de clínicas, hospitais filantrópicos e privados para atendimento de pacientes do SUS com foco em nas áreas de oncologia, ginecologia, cardiologia, ortopedia, oftalmologia e otorrinolaringologia.
No documento a RNMP ressalta que existe uma fragilidade histórica da governança do SUS no que diz respeito à contratualização de serviços privados. A Rede destaca também a necessidade de vigilância rigorosa para evitar distorções nos preços dos serviços contratados, terceirização descontrolada, não cumprimento de metas assistenciais, desacordo com os protocolos do SUS e desvio de recursos.
A maior participação de entidades privadas também acende o alerta para a possibilidade de desigualdade no tratamento de pacientes. “Precisamos estar vigilantes para que clientes de planos de saúde, de serviços privados e usuários do SUS não sejam tratados de forma desigual dentro dos mesmos serviços”, alerta o documento.
Pelo novo programa, os serviços particulares e filantrópicos podem realizar consultas, exames e cirurgias de pacientes do SUS como contrapartida para sanar dívidas com a União. Os planos de saúde também poderão usar essa dinâmica para ressarcir valores aos SUS.
A Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares afirma que a medida pode ser uma estratégia emergencial e restrita, mas vê riscos na colocação desse mecanismo como uma solução estruturante. “A médio e longo prazo, entendemos ser necessário o fortalecimento e a expansão de serviços próprios do SUS sob gestão pública de modo a não aprofundar um processo histórico de privatização e de articulação público-privada do sistema”, aponta.
Outros pontos
A nota da RNMP também aponta outras questões que precisam ser levadas em consideração para o fortalecimento da saúde pública no Brasil. Nessa lista, está a ampliação de financiamento. Para a rede o SUS precisa alcançar gasto público semelhante aos de outros sistemas de saúde universais, passando de 4% do PIB para valores de 7% a 10%.
Ainda na nota, a organização aponta a urgência de superação do “modelo médico-hegemônico”, com integração ampla de outras categorias profissionais no protagonismo do atendimento. “Além da Medicina, as demais profissões da saúde são decisivas para o fortalecimento da Atenção Especializada à Saúde e do SUS, especialmente no âmbito da atenção ao câncer, da redução da mortalidade materna, neonatal e do fortalecimento da Rede Alyne, e da Rede de Atenção à Pessoa com Deficiência, prioridades do governo.”
O documento também aponta que é crucial atuar para combater a precarização de vínculos e garantir a melhoria das condições de trabalho e direitos trabalhistas para todos os trabalhadores e trabalhadoras do setor. Na nota, a Rede também cita a importância de fortalecer a Atenção Primária à Saúde e a Medicina de Família e Comunidade como estratégia para a redução do tempo de espera no SUS.
Apesar das preocupações, o documento da RNMP destaca a integração entre provimento e formação de especialistas como um destaque positivo do novo programa, com a proposta de expansão da Residência Médica. A articulação com outras iniciativas do governo, como o Novo PAC da Saúde e o Programa Nacional de Redução de Filas, também é vista como ponto positivo.
O documento conclui que a implementação do programa trará impactos positivos a curto e médio prazo na ampliação emergencial do acesso da população à atenção especializada. Mas é preciso atuar para evitar “possíveis efeitos não intencionais” com a ampliação da participação de entes privados na prestação de serviços ao SUS.
Esses efeitos não intencionais, segundo a RNMP, podem levar ao aprofundamento de um modelo de gestão privatizante da saúde, o que exige mecanismos rigorosos de regulação, controle e transparência dos serviços contratados, aliados a projetos estruturantes que garantam o financiamento progressivo dos serviços públicos de atenção especializada.
“Para evitar o aprofundamento de um modelo de gestão privatizante da saúde, é urgente garantir mecanismos rigorosos de regulação, controle e transparência dos serviços contratados, aliados a projetos estruturantes que garantam o financiamento progressivo dos serviços públicos de atenção especializada. Tais medidas são essenciais para superar, a médio e longo prazo, as contradições e limitações inerentes à interface público-privada no âmbito do SUS”, encerra a nota.
A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com o Ministério da Saúde para pedir um posicionamento sobre as preocupações da RNMP. A pasta informou que retornaria até a última terça-feira (24), mas não enviou resposta.
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