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Irã é ‘ameaça cultural’ ao sionismo, diz embaixador do país, que defende relação com a também sancionada Venezuela

O embaixador do Irã na Venezuela tem uma relação próxima com movimentos de esquerda latino-americanos. Ali Chegini foi chefe da missão diplomática iraniana em Cuba e, desde janeiro de 2025 está em Caracas para uma cooperação estratégica com o governo de Nicolás Maduro. Os dois países estão bloqueados e têm uma cooperação econômica por fora das sanções dos Estados Unidos buscando resistir ao que chamam de “ataques imperialistas” e crescer economicamente.

 

Ele recebeu a reportagem do Brasil de Fato na embaixada iraniana na Venezuela em meio aos ataques contra o Irã e falou sobre a necessidade de condenar Tel Aviv, enfrentar o “regime sionista” e apresentar alternativas internacionais contra a guerra promovida pelos países do Norte. 

Para os iranianos em todo o mundo, o momento é de tensão. Mesmo em um bairro nobre de Caracas, a residência oficial iraniana é vigiada por policiais venezuelanos desde o início da ofensiva de Israel contra Teerã, em 13 de junho. O próprio embaixador fala da “circunstância especial” que o Irã enfrenta e reforça a necessidade de apoio internacional para Irã e Palestina, que hoje são os principais alvos de ataques israelenses

Em entrevista ao Brasil de Fato, ele afirmou que o Irã nunca representou uma ameaça para outros povos, mas é uma “ameaça cultural” ao sionismo e ao projeto de extermínio dos povos árabes por parte de Tel Aviv. Para Chegini, é importante que os países do Sul Global se articulem e lutem pelo fim dos ataques israelenses. Ele afirma que, até uma frente internacional que condene os ataques iranianos, o caminho é “continuar resistindo”.

A entrevista foi concedida antes dos ataques estadunidenses ocorridos neste sábado (21).

Leia a íntegra da entrevista

Brasil de Fato: Embaixador, o conflito entre Irã e Israel escalou e os organismos internacionais parecem inertes para conseguir uma resolução. É possível uma articulação dos países do Sul Global para tentar buscar um cessar-fogo?

Embaixador Ali Chegini: Estamos em uma circunstância especial. Somos um país pacifico e na filosofia da vida dos iranianos nunca se escreveu uma palavra de agressão e ataque a outro país. Durante os últimos 500 anos, a história não registrou uma agressão dos iranianos a outros países. Ainda que o Irã tenha tido o Império Persa, éramos e ainda somos um país pacifista e pacífico. Na nossa mentalidade não há espaço para agressão contra países ou seres humanos.

Mas nós somos defensores da nossa pátria. Portanto, segundo os ensinamentos religiosos nacionais, nós sempre estamos preparados para defender nossos princípios nacionais e nossa integridade. E a doutrina militar do nosso país, que é de defesa, também está baseada nesses princípios. Fomos agredidos pelo regime sionista que está a 2 mil quilômetros de distância de nós. Nós não somos vizinhos, não somos ameaça para nenhum país. Mas espiritualmente somos uma ameaça para o regime sionista porque somos o país que luta pelo direitos dos trabalhadores, direitos dos oprimidos, somos defensores dos direitos dos pobres. Por isso, estamos apoiando a causa palestina a este povo oprimido pelo regime sionista.

Nós temos uma cultura e uma civilização milenar que está enraizada e que, não só nos aspectos espirituais como humanos, criou um grande medo nos sionistas. Defesa da justiça: essa é a maior ameaça aos opressores. E somos uma ameaça para os invasores e usurpadores. A posição do Irã de se opor ao genocídio é uma ameaça para eles.

Portanto, os países do Sul Global que lutam pela Justiça no mundo são uma ameaça para eles. Nós não somos ameaça militar para nenhum país, mas somos uma ameaça cultural. Eles não podem atacar uma cultura tão enraizada, uma civilização milenar. Eles atacaram um hotel que recebe turistas. Por que as pessoas vão ao Irã? Para conhecer a cultura, as características culturais e os aspectos civilizatórios iranianos. Hoje atacaram o estabelecimento de uma organização iraniana que presta apoio humanitário. Atacaram centros universitários. O que significa um ataque e agressão a estudantes, professores e a ciência e tecnologia? O que significa o ataque a um hospital? A uma ambulância? Essas são as atrocidades que estão cometendo uma entidade sionista, genocida, infanticida, racista e vil como Israel. Eles acham que qualquer país ou ser humano que não seja sionista, precisam ser eliminados. Essa é a filosofia estabelecida por eles. Que matam crianças sem dó nem piedade. E ainda desfrutam disso.

Eles são seres humanos? Não. Eles se parecem mais com cachorros, com animais. Na realidade não se pode nem chamar de animais, porque os animais não vão matar só para desfrutar. Matam para ter alimentos, mas não para se divertir. Inclusive, no mundo animal, um leão não ataca uma presa que está prenha. Assim é na natureza. Os animais são mais modernos e civilizados que eles. Por isso, só tem um caminho para nós, que é continuar resistindo contra um cachorro raivoso. Se não detemos esse cachorro raivoso, ele vai transmitir essa doença para toda a humanidade. Vamos fazer todo o possível para arrebentar todos os dentes desse cachorro raivoso. Soltaram a coleira desse cachorro. Eles estão atacando um centro de produção nuclear que está produzindo medicamentos para o tratamento de câncer. Por que eles atacam centros científicos pacíficos? Há um risco alto porque é uma zona nuclear. Esse ataque é algo que todas as normas internacionais condenam.

É lamentável que muitos países ocidentais do Norte não tenham condenado esse regime sionista e usurpador. Essa é a diferença com os países do Sul. Portanto, o papel que os países do Sul assumem é da aplicação de qualquer instrumento que detenha ou cesse esses ataques e agressões contra a nossa pátria. Condenar internacionalmente, usar qualquer ferramenta para boicotar esse animal feroz. É preciso aplicar tudo isso. As organizações internacionais não fizeram nada até agora, só declarações. Os países ocidentais, como os EUA, não acreditam nos princípios humanos e éticos e, por isso, querem garantir seus benefícios.

Como o senhor avalia os países que não romperam relações com Israel, como é o caso do Brasil? Você entende que esse tipo de ação ajuda?

Nós como país soberano não reconhecemos a entidade sionista como um país soberano, um território soberano, um Estado. Muitos países do mundo já não reconhecem este ente sionista. Mas alguns países estão tomando algumas decisões independentemente de suas autoridades. Eu não acho que seja algo digno ter relações diplomáticas com esse ente sionista que está violando todas as leis internacionais. Não traz nenhum prestígio para esses países que têm relações diplomáticas com Israel.

Essas entidades como seu primeiro-ministro já estão condenados pela Corte Penal Internacional por crimes contra a humanidade. Do meu ponto de vista, cada país tem a sua decisão independente. Mas temos a expectativa de que todos os países do mundo boicotem essa entidade falsa e sem raízes e que rompam relações. Como um país está disposto a ter relações com uma entidade genocida, sionista, usurpadora e que invade. Mas cada país está atuando de acordo com seus benefícios e interesses nacionais. Eu agradeço a todos os países que romperam relações em pró de Palestina. Digo como professor universitário, não chefe da representação diplomática.

O governo tem se defendido das acusações de produzir uma bomba atômica e afirma que enriquece urânio para outros fins. Como o Irã vê a atuação da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA)? O país tem colaborado com os trabalhos do organismo?

Acho que os países do Norte, especialmente alguns países ocidentais como os EUA, estão pressionando esses organismos, especialmente a AIEA, para que não atuem de acordo com as suas obrigações e deveres no marco do direito internacional. Nós temos a expectativa de que a AIEA respeite as obrigações estabelecidas de cada país para o uso pacifico da energia nuclear. O estatuto desse organismo estabelece todas as normas para garantir o uso pacifico da energia nuclear. O diretor-geral desta agência já disse que não tem documentos que comprovem que o Irã tem armas nucleares ou que está tentando enriquecer urânio para isso. Porque não condenam o regime usurpador de Israel, que tem centenas de ogivas nucleares e não é integrante do tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares? Muito interessante… meu país integra esse tratado e todas as atividades que desenvolvemos até agora nesses temas estão 100% fiscalizadas por essa agência. A maior supervisão é realizada historicamente no Irã.

Por que qualquer resolução do Conselho de Segurança da ONU contra o regime sionista é vetado pelos EUA? Há várias resoluções no Conselho de Segurança da ONU condenando as atrocidades do regime sionista. A comunidade internacional e o Conselho de Segurança já condenaram essas atrocidades. Por que não tem nenhum efeito prático para deter esse regime? Dia a dia esse regime se tornou mais feroz contra outros povos e acho que a ONU é só uma fachada à serviço dos países imperialistas. Eu acho que essas organizações acabam sendo políticas e politizadas. Ainda que eles já comprovaram que nosso país nunca deu um passo para a fabricação de armas de destruição massiva. Mas eles seguem acusando o Irã de fabricar armas nucleares. 

Nós estamos usando energia nuclear para produzir energia elétrica, no campo da saúde, agricultura, e conquistando objetivos valiosos e pacíficos. E onde está a AIEA? Só expressando preocupação pela escalada desse conflito.

O meu estado nunca iniciou uma guerra, e nunca vamos fazer. Não somos ameaça a nenhum país. Não estamos buscando escalar um conflito na região porque nossa região é muito sensível, crítica e é considerada o coração da energia no mundo. Não estamos buscando escalar um conflito armado. Mas com muita força vamos continuar exercendo nosso direito internacional de legítima defesa até que se detenha o inimigo. 

Nós agradecemos qualquer iniciativa ou atuação que detenha esse cachorro raivoso, acabe com essas agressões e cumpra com a justiça. 

O Irã sempre apoiou a causa palestina e se mostrou um ponto de apoio às aspirações do povo palestino. Além de uma resistência militar, Teerã tem alguma proposta para a solução do Estado da Palestina?

Em relação à Palestina, nós desde o começo oferecemos uma saída democrática. Para os habitantes ou moradores originários dos territórios palestinos, não os que migraram para habitar esse território. Nossa principal proposta é que todos os residentes originais, entre eles muçulmanos, judeus e cristãos, participem de um referendo democrático. Qualquer decisão desse referendo deve ser aceita pela comunidade internacional e pela ONU. Caso se consiga concretizar essa proposta, o regime sionista seria eliminado, assim como foi feito com o apartheid na África do Sul. 

O apartheid foi eliminado por meio de uma eleição e da decisão do povo sul-africano. Pedimos à ONU esse referendo com todos os habitantes originários dos povos palestinos, não com imigrantes ou colonos. 

Os povos originários estão lá e tem amor e afeto à sua pátria. Eles não saem facilmente. Por isso que o povo de Gaza não sai da sua terra, porque é seu território.

Mudando um pouco de assunto, a Venezuela e o Irã hoje são dois dos países com mais sanções dos Estados Unidos no mundo. E os dois tem uma economia fortemente bloqueada. O principal alvo é o mercado petroleiro desses dois países, que têm no petróleo seu principal produto de exportação. Como tem sido a cooperação entre Caracas e Teerã desde o começo dos anos 2000?

Há uma relação de irmandade estratégica entre Irã e Venezuela. É uma relação que está sustentada no marco do ganha-ganha, com benefício mútuo. Não está baseada nos princípios lucrativos. Temos colaborações no campo da economia porque os dois países sofrem sanções de um país opressor. 

Temos colaborações culturais e estamos no alto nível das relações diplomáticas e políticas. Mas o maior vínculo dessa relação está na questão econômica. Porque nós temos uma experiência maior que a Venezuela em confrontar as sanções e, o mais importante, é a vontade dos dois países em expandir ainda mais esses laços de amizade. No tema agrícola também temos colaboração.

Esperamos assinar acordos de livre-comércio ou questões tarifárias fortalecer ainda mais essas relações comerciais em diferentes níveis.

Mas o principal ponto de sobrevivência dessas economias hoje é a produção petroleira. Conversamos com funcionários da estatal venezuelana PDVSA e eles explicaram que há uma série de atividades conjuntas, mesmo com o bloqueio, para uma atuação de funcionários iranianos aqui na Venezuela. Isso tem acontecido mesmo? Há essa cooperação entre as indústrias iraniana e venezuelana?

Os dois países são referências na indústria petroleira global. Ambos os países têm experiências valiosas que se complementam. Temos colaboração em derivados do petróleo e renovação de instalações e refinarias. A maioria das fábricas e instalações industriais que estão paradas na Venezuela e que reduziram a capacidade de produção tiveram apoio dos setores público e privado do Irã para a recuperação desses espaços para que volte a produzir. 

Tudo que afeta a Venezuela pelas sanções estamos fornecendo equipes necessárias. Reciprocamente eles também têm experiências valiosas na indústria que aproveitamos. Temos colaboração no marco dessa organização na esfera internacional e que tem diferentes ramificações, o que ajuda muito o desenvolvimento.

Os dois países se aproximaram muito depois da eleição de Hugo Chávez em 1998 e, apara a política externa venezuelana, o Irã se tornou um aliado prioritário e estratégico. Você entende que há uma afinidade ideológica entre os dois processo políticos que entendem ser revoluções, tanto a Revolução Islâmica quanto a Revolução Bolivariana?

Nossa Revolução Islâmica triunfou em 1979, antes da Revolução Bolivariana. Somos mais velhos que eles. Tínhamos relações com a Venezuela antes de Chávez, mas com a chegada dele consolidaram as relações e se estreitaram ainda mais. As relações anteriores eram mais focadas em relações políticas e agora é econômica também. Estamos transferindo essas relações também para os setores privados. Mas, sem dúvida, há uma aproximação ideológica em termos, principalmente, de uma luta anti-imperialista e em defesa dos povos oprimidos.

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