O governador Romeu Zema (Novo) anunciou, na última semana, a intenção de dispensar o licenciamento ambiental para propriedades rurais de até mil hectares dedicadas à pecuária extensiva ou à produção de commodities como soja, milho e café. A medida, apresentada durante a feira Megaleite, no Expominas, em Belo Horizonte, representa uma ampliação drástica da isenção, que atualmente vale para áreas de até 200 hectares.
Segundo o governo, a proposta será apresentada com urgência ao Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). A secretária estadual de Meio Ambiente, Marília Melo, defendeu que a mudança trará “oportunidade de regularização” e menos burocracia aos produtores: “nosso agricultor, em Minas, é sustentável”, afirmou, durante o evento.
Mas, para especialistas, a medida representa um grave ataque à política ambiental do estado, além de beneficiar exclusivamente grandes proprietários. É o que aponta o geógrafo Gustavo Ceppolini, professor da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas Regionais e Agrárias (Nepra).
“Mil hectares equivalem a mil campos do Maracanã. Estamos falando de propriedades enormes que não passarão mais por nenhuma análise técnica ambiental. A fiscalização se torna autodeclaratória. É como se o próprio produtor se autorizasse a desmatar. Isso coloca o Cerrado, o bioma mais ameaçado do país, em risco profundo”, alerta.
Para o agro, isenção fiscal
Segundo dados compilados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Relatório Anual do Desmatamento (RAD) do MapBiomas Brasil, mais de 60% do Cerrado já foi devastado em Minas Gerais, que originalmente tinha mais da metade de seu território coberto por esse bioma. Nos últimos anos, o Cerrado ultrapassou a Amazônia em taxa de desmatamento.
Ceppolini também aponta o uso intensivo de agrotóxicos nas lavouras beneficiadas pela medida.
“Essa agricultura de larga escala só é ‘sustentável’ porque é financiada pelo Estado. Enquanto um brasileiro paga impostos até em remédio, o agrotóxico importado goza de isenção fiscal”, critica.
O Nepra também identificou impactos sociais severos causados pelo agronegócio no semiárido mineiro entre 2002 e 2022: 657 casos de intoxicação por agrotóxicos, 189 conflitos por água e 357 conflitos por terra, afetando mais de 77 mil famílias.
“Medida favorece os latifundiários”, denunciam servidores
A proposta do governo também gerou reação entre os próprios servidores da Secretaria de Meio Ambiente. Francisco de Assis, servidor de carreira e dirigente do do Sindicato dos Servidores Públicos do Meio Ambiente no Estado de Minas Gerais (Sindsema), classifica a flexibilização como mais um passo no desmonte ambiental promovido por Zema.
“É uma medida feita sob medida para latifundiários. Uma propriedade de mil hectares não é pequena. Representa menos de 0,1% dos proprietários. Não tem nada a ver com agricultura familiar. E mesmo nos casos que precisam de licença hoje, o processo já é simplificado. Estão transformando o órgão ambiental em um cartório”, explica.
Segundo Francisco, a licença mais básica, chamada de Licenciamento Ambiental Simplificado, ou LAS Cadastro, já não exige análise técnica detalhada.
“O produtor preenche os documentos e sai com o certificado em mãos. Essa flexibilização só enfraquece o controle ambiental”, afirma.
“A conta vai para os camponeses e para o povo”, afirma o MST
Integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a militante Maíra Pereira Santiago reforça que a medida deve ampliar os conflitos socioambientais e intensificar o modelo de produção baseado no uso de venenos e na concentração de terras.
“Vai atingir diretamente territórios indígenas, quilombolas, assentamentos e acampamentos. É uma medida que vai sair muito cara para nós. É o oposto da agroecologia e da reforma agrária que defendemos. Ao invés de democratizar o acesso à terra e proteger o meio ambiente, o governo favorece quem já tem
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Ela também critica o impacto da medida na concentração fundiária, já que grandes proprietários terão mais facilidade de expandir suas áreas sem obstáculos legais ou ambientais.
“Minas está se especializando em perder”
Para Ceppolini, o Estado brasileiro segue aprofundando um modelo colonialista e predatório, que exporta commodities e importa desigualdades.
“Estamos perdendo biodiversidade, terras produtivas para alimentação básica, e as populações mais vulneráveis estão pagando a conta com saúde, água e território. Só no semiárido mineiro, temos mais de três vezes o estado de Sergipe em áreas de pasto. E mais: temos eucalipto cobrindo o equivalente a cinco vezes o Rio de Janeiro. Isso é devastação”, conclui o professor.
Enquanto isso, lembra o pesquisador, o governo federal lançou um Plano Safra 2024/2025, dirigido ao agronegócio, com R$ 475 bilhões em crédito, sendo R$ 400,58 bilhões para os grandes empresários e R$ 74,98 bilhões para os pequenos agricultores.
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