Home / Política / Especialistas veem tentativa de aparelhamento político da Defensoria Pública de SP em PL de aliada de Tarcísio

Especialistas veem tentativa de aparelhamento político da Defensoria Pública de SP em PL de aliada de Tarcísio

A defensora pública-geral de São Paulo, Luciana Jordão da Motta Armiliato de Carvalho, enviou à Assembleia Legislativa do estado (Alesp) um projeto de lei complementar que pode limitar a independência da Defensoria. 

 

Dois pontos do texto são objeto de contestação por parte de especialistas na área. Um deles é a criação do Grupo de Assessoramento de Demandas Estruturais, que passaria a definir as diretrizes de atuação estratégica para ações coletivas, que dizem respeito a processos judiciais envolvendo direitos de grupos ou categorias de pessoas, e não interesses individuais. 

Hoje, essa função é exercida pelos núcleos especializados do órgão, como o Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos, sem a necessidade de aprovação prévia da Defensora Pública-Geral. Além desta função ligada a demandas estruturais, a Defensoria tem outra frente de atuação, mais conhecida entre a população no geral, que é de representante individual de pessoas sem condições econômicas para constituir um advogado privado.

A composição do grupo seria formada em parte por pessoas próximas à chefia da Defensoria Pública-Geral, o que vem sendo interpretado como uma tentativa de concentrar na direção do órgão e, indiretamente, no governador, o poder de definir as regras para as ações coletivas. Carvalho foi nomeada por Tarcísio de Freitas (Republicanos) em abril de 2024, para o biênio 2024-2026.

Advogado e coordenador de advocacy do Plataforma Justa, que acompanha de perto os trabalhos da Defensoria paulista, Felippe Angeli afirma que o Projeto de lei Complementar nº 20 /2025 “enseja a compreensão de uma vinculação às diretrizes de atuação estratégica definidas neste grupo, que, pela sua própria definição dos membros, tem uma uma prevalência grande de membros ligados à administração geral da Defensoria”. 

“Os núcleos especializados e a possibilidade de ações estruturais existem para dar conta do debate associado a questões estruturais, como segurança pública, direitos humanos, direitos coletivos, que são os direitos do campo de defesa das minorias. Agora, o projeto busca associar essas ações a um grupo responsável pela administração do órgão, o qual também possui vínculos políticos com agentes partidários”, afirma o advogado. 

O projeto de lei surge na esteira da determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) obrigando o governo de Tarcísio de Freitas a ampliar o uso obrigatório de câmeras corporais por policiais militares, em maio deste ano. A Defensoria Pública, por meio do Núcleo Especializado de Direitos Humanos, teve papel central na homologação do acordo. O núcleo já adotou, desde setembro de 2023, medidas extrajudiciais e uma ação civil pública para garantir o uso efetivo e ampliado das câmeras corporais.

Definição orçamentária

O segundo ponto de atenção do projeto é o que Angeli chama de “esvaziamento” do Conselho Superior da Defensoria Pública, na definição da proposta orçamentária que é encaminhada para aprovação da Alesp. Hoje, o departamento tem o poder de veto sobre a proposta que é apresentada pela Defensora Pública-Geral. Com a proposta, passaria apenas a ser ouvido sobre o projeto.

“Isso também dificulta e amplia o poder da gestão, uma vez que poderia justamente aumentar financiamento ou subfinanciar setores de maior ou menor interesse associado a grupos políticos de origem partidária”, afirma Angeli. 

Contestação judicial

“Os dois pontos mais importantes são tanto o grupo de assessoramento quanto a alteração na definição da proposta orçamentária. São da mesma dimensão e gravidade e estão na mesma direção de problema. Tirar esse aspecto deliberativo para mero aspecto consultivo do Conselho Superior da Defensoria, para centralizar de novo poder no grupo do Defensor ou da Defensora Geral, é contrário ao interesse da instituição, na medida em que fortalece grupos políticos que têm indicação por agentes políticos”, conclui o advogado.

Angeli acredita que, se aprovado, o projeto de lei deve ser objeto de contestação judicial, “na medida em que o artigo 134 da Constituição, no parágrafo 2º, dá às defensorias públicas estaduais autonomia funcional e administrativa”. “Não pode ter uma lei estadual limitando a autonomia funcional ao submeter as demandas a qualquer nível de grupo de assessoramento”, diz.

A proposta também prevê a criação de cerca de 300 cargos, um reajuste salarial de 6%, a redefinição de funções administrativas, a revisão de regras de progressão funcional e o estabelecimento de novas gratificações. O impacto financeiro estimado é de aproximadamente R$ 37 milhões em 2025, R$ 99 milhões em 2026 e R$ 169 milhões em 2027.

Posicionamento da Ouvidoria

Em nota, o Conselho Consultivo da Ouvidoria-Geral da Defensoria informou que recebeu a notícia do projeto com “preocupações” e que a medida aponta para uma “centralização das decisões”. 

Os membros do Conselho, incluindo a Ouvidora-Geral Camila Marques Barroso, defendem que a criação do Grupo de Assessoramento de Demandas Estruturais “pode colocar em risco a atuação autônoma e contramajoritária desempenhada pelos Núcleos, nos termos previstos na proposta, visto a potencial natureza vinculativa das diretrizes que serão formuladas”. 

Também afirmam que as alterações diminuíram “o debate democrático dentro da Defensoria Pública de São Paulo ao alterar o rito de aprovação da proposta orçamentária da Defensoria Pública e modificar o formato das reuniões do Conselho Superior que tem competência para exercer o poder normativo no âmbito da Defensoria Pública do Estado”, diz a nota técnica.

Outro lado 

Em nota enviada ao Brasil de Fato, a Defensoria Pública negou que a proposta enviada à Alesp prejudique o papel do órgão. Leia na íntegra

“A Defensoria Pública do Estado de São Paulo esclarece que o Projeto de Lei 20/2025 não esvazia a autonomia dos Núcleos Especializados. O objetivo central da proposta é aprimorar a atuação institucional por meio da criação do Grupo de Assessoramento em Demandas Estruturais, órgão de caráter consultivo, colaborativo e estratégico, voltado ao apoio em litígios complexos e estruturais, especialmente aqueles que envolvem a criação ou alteração de políticas públicas. Ressaltamos que o grupo não possui função vinculativa, cabendo aos defensores e aos Núcleos a decisão sobre o seguimento das orientações, preservando-se, assim, sua autonomia e discricionariedade.

Não existe uma linha no projeto de lei que coloque os núcleos administrativamente sob o Grupo de Assessoramento. O Grupo de Assessoramento não tem poder de veto de qualquer iniciativa dos núcleos e não está estruturalmente colocado como gestor de núcleos e demandas. Ele, de fato, assessora e dá robustez às iniciativas.

Atualmente, a Defensoria conta com dois momentos de participação popular em seus rumos institucionais: o Momento Aberto – nas sessões do Conselho Superior – e o Ciclo de Conferências. Com a criação do Grupo de Assessoramento em Demandas Estruturais, estamos inovando ao instituir um terceiro espaço de participação, que traz a possibilidade concreta de a sociedade civil construir e opinar diretamente sobre a atividade-fim da Defensoria Pública.

Cabe frisar que não se trata de um órgão voltado à tutela coletiva tradicional, mas sim ao enfrentamento de demandas estruturais, conceitos distintos no âmbito jurídico. Demandas estruturais referem-se a litígios que envolvem a implementação ou alteração de políticas públicas, exigindo soluções mais amplas e dialogadas. Estruturas semelhantes já existem em instituições que também contam com independência funcional de seus membros, como os Tribunais Superiores (STJ e STF) e os Ministérios Públicos.

Por fim, esclarecemos que a proposta de alteração relativa à elaboração da proposta orçamentária anual da Defensoria Pública visa apenas adequar a legislação estadual à Lei Complementar Federal nº 80/1994, que estabelece normas gerais para as Defensorias Públicas em todo o país. Trata-se, portanto, de um ajuste técnico.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo reitera seu compromisso com a transparência, o diálogo institucional e a defesa dos direitos da população vulnerável.”

O post Especialistas veem tentativa de aparelhamento político da Defensoria Pública de SP em PL de aliada de Tarcísio apareceu primeiro em Brasil de Fato.

Deixe um Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *