A Editora Libretos está colocando nas livrarias uma edição especial do livro Nega Lu – uma dama de barba malfeita, do escritor e jornalista Paulo César Teixeira. É uma espécie de comemoração do lançamento há 10 anos, em 2015, do livro original e 20 anos da morte desta figura popular de Porto Alegre em 2005. Ela nasceu Luiz Airton Farias Bastos, mas odiava o seu nome de batismo, era a Nega Lu e pronto. Só atendia por este nome, fosse na escola ou nas ruas. Foi uma pioneira 40 ou 50 anos à frente do seu tempo. Assumia todas as suas orientações sexuais, em tempos em que todo mundo fazia questão de jogar no fundo do armário aquilo que era ou pensava.
Era onipresente. Estava em todos os lugares badalados de Porto Alegre. Entrava em festas sem ser convidada. Participava de exposições, vernissages, lançamentos de livros, filmes, qualquer outra coisa sem ser convidada. Não dava a mínima para quem a ofendia, a expulsasse dos locais. Mas isso raramente acontecia.


Dançava e cantava com brilho, era uma figura exótica, excêntrica, louca e enlouquecida se passasse sem ser notada pelo seu vozeirão ou seu jeito de se vestir e de se portar. Cantou como solista na Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (Ospa) e no Coral da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e dançava balé clássico, que aprendeu com a russa Marina Fedossejeva (ex-bailarina do Kirov). “Com essa voz, pode desmunhecar à vontade”, vivia dizendo o maestro Nestor Wenholz, regente do Coral da Ufrgs ao aprová-la no teste vocal
Vida
Nos anos 1980, o timbre da voz de Lu – retumbante, segundo diziam – foi um espetáculo nas performances desbocadas. Era crooner da banda de blues Rabo de Galo, liderada pelo guitarrista Marco Aurélio Lacerda, o Coié. Ficaram célebres também os desfiles como madrinha da Banda da Saldanha nos carnavais do Menino Deus.
Na década seguinte, ela participou das primeiras Paradas Livres promovidas pela militância gay na capital gaúcha, enquanto trabalhava como garçonete do bar Doce Vício, um dos locais mais concorridos do circuito gay da cidade.
Andava e fazia se notar nas suas andanças pela cidade e pela famosa Esquina Maldita, onde estavam os bares mais descolados e avançados da época – Estudantil, Alaska, Copa 70 e Mariu’s. Era a estrela. “Onde a gente ia, lá estava a Nega Lu”, destaca, no livro, a jornalista Tânia Carvalho. Não gostava dos papos cabeça, políticos ou de geopolítica, guerras, ideologias, discutir cinema cult, essas coisas. Preferia ser a estrela e seus assuntos preferidos, que variavam muito. Dependia do dia. Estava sempre bem informada sobre todos os “buchinchos” do circuito cultural.
Se autodefinia, ironicamente, como “preto, pobre e puto”, uma vanguardista na época em que esta questão LGTBQIP+ sequer era discutida. Lu não escondia e se promovia. Era esvoaçante. Norberto Hoffmann e eu, que frequentávamos a Esquina Maldita, fomos conhecidos da Nega Lu. Ela sempre parava na nossa mesa para bater um papo, ou para beber, às nossas custas, alguma coisa ou comer sanduíche aberto, o grande e mais pedido prato do Alaska.
Menino Deus
Porto Alegre desta época tinha suas figuras exóticas – Terezinha Morango no futebol e Bataclã no atletismo e com suas comidas vegetarianas -, mas ninguém superava em estrelismo na paisagem urbana como a Nega Lu. “Lu não era homem, nem mulher, também não era drag queen ou travesti. Então, o que era? Dava um nó na cabeça das pessoas. Era uma lady de voz grave e barba malfeita”, segundo diz o ator Renato Del Campão.
Morava no Menino Deus e por ali fez a sua vida, além de todos os lugares boêmios da cidade. Era rainha, mas podia ser rei, se quisesse. Assumindo publicamente a sua homossexualidade, passeava com seu estilo livre, “com charme e completamente alheia aos olhares desaprovadores”, afirma o jornalista Norberto Hoffmann. “Era inigualável, ninguém ganhava dela em simpatia. Uma figurinha carimbada, em todos os sentidos”, diz.
O livro Nega Lu – Uma Dama de Barba Malfeita ganhou o Prêmio AGES (Associação Gaúcha de Escritores) de Livro do Ano, na categoria Não Ficção, em 2016 ( edição esgotada). Além do livro, a personagem foi reverenciada num curta-metragem produzido pelo jornal dirigido ao público LGBT Nuances e o Coletivo Catarse, disponível no YouTube.
Nega Lu morreu em 2005, aos 55 anos, de complicações decorrentes de insuficiência cardíaca. Estava obeso, sem dinheiro, cuidado por alguns parentes, mas os amigos sumiram do mapa. Bebeu e fumou demais. Teve uma vida altamente eletrizante.
Paulo César Teixeira
Paulo César Teixeira escreveu o livro como uma grande reportagem. É uma biografia perfeita, com leitura fácil sobre um dos grandes personagens folclóricos – ou não – de Porto Alegre. Teixeira frequentou a Esquina Maldita na segunda metade da década de 1970, a princípio quando estudava no Julinho e depois como aluno do curso de Comunicação Social da Ufrgs.
Com textos em Istoé, Veja, Época, Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo e Diário do Sul entre outras publicações, lançou em 2010 o livro Darcy Alves – Vida nas cordas do violão (Editora Libretos), biografia do violonista Darcy Alves, parceiro de boemia de Lupicínio Rodrigues.
Em 2005 e 2008 Paulo César, conhecido também como Foguinho, recebeu o Prêmio ARI (Associação Riograndense de Imprensa) de Reportagem Cultural por Um certo Erico Veríssimo e A Rua da Margem, ambas publicadas na revista Aplauso. Em 2012 o autor lançou o livro Esquina Maldita (Editora Libretos) e em 2015 lançou o livro Nega Lu – Uma dama de barba malfeita (Editora Libretos).
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