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Com ‘clube da morte’ de Tarcísio, São Paulo ruma para a milicianização

 

Quando li a reportagem do Metrópoles “A política da Bala” eu lembrei do Rio da década de 1990 e pensei: São Paulo está chegando lá. O “lá” a que me refiro é um estado miliciano. 

 

A investigação do jornal mostra que um grupo de 22 policiais matou 1 em cada 5 vítimas da PM na cidade de São Paulo. Ou seja: menos de 1% do efetivo da PM na capital é responsável por um quinto das mortes cometidas por policiais em todo o estado. Esse dado fica ainda mais dramático combinado a outro: em um ano, a PM matou 85 pessoas desarmadas e 47 com tiros pelas costas. E ficou por isso mesmo.

No Rio de Janeiro, a Patamo 500 — como documentado no meu livro Como nasce um miliciano — foi a incubadora de policiais que migraram do estado para o crime organizado, fazendo história na milícia, com a morte da vereadora Marielle Franco e da juíza Patrícia Acioli.

A transição da farda para o poder miliciano é uma linha direta. O livro mostra como a Patamo 500, unidade da PMERJ que teve entre seus quadros Ronnie Lessa, executor de Marielle Franco, se tornou um grupo que mudaria a história do Rio de Janeiro – para muito pior.

Patamo é a abreviação de Patrulhamento Tático Motorizado, mas, trocando em miúdos, era a patrulha formada por cinco PMs, dentre eles Ronnie Lessa, parceiro de Adriano da Nóbrega no Escritório do Crime. Os policiais daquela patrulha recebiam anotações elogiosas nas fichas funcionais, na Assembleia Legislativa, viam o salário mais que dobrar em gratificações e progrediam meteoricamente na carreira. 

Com o bônus financeiro, chamado de “gratificação faroeste”, não deu outra: o número de homicídios aumentou tanto que a medida foi revogada na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro três anos depois. Mas ela deixou um legado. 

Um levantamento do jornal O Globo, feito com base em sindicâncias, boletins e fichas funcionais dos agentes da PMERJ, contabilizou pelo menos 22 mortes durante operações da Patamo 500 entre 1998 e 2002. Na maioria dos registros, o alto número era justificado da mesma forma: os agentes diziam que “foram recebidos com tiros pelos marginais e revidaram a agressão injusta”.

Essas justificativas eram prontamente aceitas, e os casos acabavam arquivados. 

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Anthony Garotinho sucedeu Marcelo Alencar, que foi o responsável por  estabelecer tais gratificações no Rio. Tido como um político de esquerda, Garotinho levou para o governo vários especialistas e estudiosos de segurança pública. Entre eles, o antropólogo Luiz Eduardo Soares, responsável pela ouvidoria. Foi ali que começaram a chegar denúncias sobre a Patamo 500 e outros policiais corruptos. Soares levou as denúncias ao Ministério Público e expôs aquilo que ficou conhecido como “a banda podre da polícia”. 

Em vez de resolver a situação, Garotinho demitiu Luiz Eduardo Soares ao vivo, quando dava uma entrevista ao RJTV, jornal local da TV Globo no Rio de Janeiro.

A patrulha só seria dissolvida três anos depois, em 2003 – e os policiais, promovidos. O líder da Patamo 500, capitão Cláudio Luiz, hoje está em prisão domiciliar: foi o mandante do assassinato da juíza Patrícia Acioli.

Quando entrevistei Luiz Eduardo para o livro, eu perguntei se uma intervenção na Patamo 500 nas décadas passadas poderia ter mudado os rumos do Rio de Janeiro. “Agora é tarde”, ele me disse.

Em São Paulo, sob a gestão de Tarcísio de Freitas e o secretário de Segurança Guilherme Derrite, o número de mortes causadas por policiais voltou a subir, rompendo uma sequência de quedas que vinha sendo registrada desde 2021. De acordo com dados do Ministério Público paulista, a letalidade policial aumentou quase 100% entre 2022 e 2024.

Antes de assumir a Secretaria de Segurança Pública, Derrite — ex-policial militar — já havia defendido publicamente que policiais sem registros de mortes em serviço deveriam se envergonhar. Foi esse perfil que o aproximou do governador, Tarcísio. 

Já no cargo, Derrite liderou a Operação Verão, que terminou com 56 mortos — o maior número de vítimas em uma única ação policial desde o massacre do Carandiru, em 1992.

A reportagem do Metrópoles revela que, dos 431 mortos pela PM na capital entre 2022 e 2023, 88 foram mortos por apenas 22 policiais. Ou seja: esse pequeno grupo tem uma taxa de letalidade 35 vezes maior do que a média da corporação. O dado é estarrecedor não apenas pelo número em si, mas pelo fato de que esse grupo permaneceu ativo, mesmo após dezenas de mortes. O estado sabia — e permitiu.

No Rio, esse movimento desemboca na milícia formalizada, com domínio territorial, cobrança de taxas, influência eleitoral e conexões com o tráfico. 

Em São Paulo, ainda que não haja milícias estruturadas nos moldes fluminenses, o padrão de atuação revela elementos em comum, como a alta letalidade, a ausência de controle externo eficaz, a proteção de policiais mesmo diante de chacinas, o método de ação baseado na execução e extermínio e tudo isso amparado no já conhecido discurso do bem contra o mal. Eles estão no caminho do sucesso do Rio.

Friso no livro que a milícia não é um poder paralelo — é o próprio estado operando de forma privatizada e criminosa. A diferença é que, no Rio, esse processo se formalizou — tornou-se CNPJ, virou projeto político. Em São Paulo, ainda está em estado bruto, mas segue a mesma trilha.

São Paulo é o Rio da década de 1990 e a gente sabe como é o futuro. Grupos como esses podem evoluir para formas de controle territorial à la milícia, com controle de serviços, repressão a comerciantes e articulação eleitoral.

Boa Sorte, São Paulo. Vocês vão precisar.

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