Em meio a disputas e discussões internas no peronismo, a militância ligada à ex-presidenta da Argentina Cristina Fernández de Kirchner declarou “estado de alerta e mobilização” diante dos crescentes rumores de que o Judiciário pode acelerar uma decisão da Suprema Corte de Justiça no processo que ficou conhecido como Caso Vialidad. Na prática, isso deixaria Kirchner inelegível para disputar as próximas eleições da província de Buenos Aires, marcadas para o início de setembro.
A comitiva da ex-presidenta acredita que a Suprema Corte deve validar, nas próximas horas, a condenação no caso. O movimento, no entanto, é considerado pelos apoiadores uma ação de perseguição política visando impedir que Kirchner participe das eleições. Centrais sindicais, movimentos sociais e entidades trabalhistas já se mobilizam para resistir ao que enxergam como mais uma ofensiva do Judiciário.
Nesse contexto, o kirchnerismo convocou as diferentes alas do peronismo para uma reunião de emergência nesta segunda (9) para traçar um plano de ação caso a decisão judicial seja confirmada. O encontro será realizado à tarde, na sede nacional do Partido Justicialista.
Resistência peronista
A convocação tem um forte simbolismo dentro da liturgia peronista, já que ocorre na véspera dos atos do “Dia da Resistência Peronista”, celebrado exatamente neste dia.
Imortalizado no famoso livro Operação Massacre, escrito pelo militante Rodolfo Walsh — que foi preso e desapareceu durante a última ditadura militar —, o “Dia da Resistência Peronista” rememora os eventos de 9 de junho de 1956. Naquele dia, a ditadura civil-militar que havia derrubado Perón promoveu um massacre clandestino e ilegal, no qual militantes peronistas que haviam se levantado contra o regime foram fuzilados nos depósitos de lixo de José León Suárez.
Se a mais alta corte decidir manter a sentença proferida pelo Tribunal Oral Federal nº 2 (TOF2), Cristina terá que cumprir seis anos de prisão e ficará permanentemente inelegível para ocupar cargos públicos.
A decisão da Corte poderá impactar diretamente o calendário eleitoral. Há apenas uma semana, Cristina anunciou sua candidatura a deputada pela Terceira Seção Eleitoral de Buenos Aires nas eleições legislativas de setembro. Caso a decisão seja divulgada após o dia 19 de julho — prazo final para a apresentação das listas —, sua candidatura lhe concederia privilégios provinciais que impediriam a execução da sentença.
Nas últimas semanas, diversos veículos de comunicação ligados à direita política exerceram pressão explícita na mídia por meio de seus editoriais, pedindo que o julgamento contra Cristina fosse acelerado e que ela fosse impedida de participar das próximas eleições. No domingo (8), o jornal La Nación publicou um editorial intitulado: “A Suprema Corte se prepara para condenar Cristina Kirchner e complica sua candidatura”.
Ao mesmo tempo, vários setores acadêmicos e políticos — muitos deles fora do peronismo — afirmam que não há razões nem provas convincentes para incriminar a ex-presidenta em um julgamento que descrevem como repleto de irregularidades e que consideram, em essência, uma perseguição judicial.
“Podem me colocar na prisão, mas não podem impedir que o povo volte”
Em relação aos rumores sobre uma possível decisão da Suprema Corte, no último sábado (7), durante a cerimônia de encerramento da campanha para as eleições provinciais em Corrientes, Cristina Fernández de Kirchner afirmou: “Podem me colocar na prisão, mas não podem impedir que o povo volte.”
A ex-presidenta, que já governou duas vezes, atribuiu a ofensiva judicial ao recente anúncio de sua candidatura ao cargo de deputada provincial. “A partir daquele dia, começaram a pedir de todos os lados para me colocar na prisão, foi isso que vocês leram. Não devemos nos irritar, temos que estar atentos”, disse ela.
Cristina garantiu que “tudo isso é acompanhado por editoriais que dizem ‘ela está acabada e encurralada’”, enquanto, de forma desafiadora, questionou: “Se eu sou assim, por que não me deixam e me derrotam politicamente?”
“Eles me querem presa ou morta, mas nunca poderão impedir que o povo, que tem uma identidade e uma história, retorne”, concluiu.
Dessa forma, Cristina mantém a postura que já havia adotado quando anunciou sua candidatura. Foi na última segunda-feira (2) em uma entrevista para a televisão — um formato incomum para ela — na qual garantiu que não permitiria que as ameaças do Judiciário e da mídia interferissem em suas decisões políticas.
“Não vou submeter minhas decisões políticas ao que o Judiciário faz”, disse ela, acrescentando que o Judiciário “não está lá apenas para perseguir oponentes, mas também atua como uma guarda pretoriana para proteger e sustentar uma ordem econômica injusta e desigual”.