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‘A marca de prefeito maluco não ficou’: aos 80 anos, em entrevista ao EXTRA, Cesar Maia diz se orgulhar de ser visto como bom gestor

 

Político vê a segurança como maior problema do Rio, mas afirma que armar a Guarda ‘não é tarefa fácil’. Ele diz que seu maior legado para a cidade foi a ordem pública Prefeito do Rio com mais tempo no cargo até ser superado por Eduardo Paes, apenas este ano, o agora vereador Cesar Maia (PSD) chega hoje aos 80 anos, 12 deles (de 1993 a 1996 e de 2001 a 2008) no comando do município. Na semana passada, ele recebeu O GLOBO em sua casa, em São Conrado, e discorreu desde os primeiros passos na política, passando por prisões, exílio e as crises que enfrentou nas suas três administrações, até os desafios atuais da cidade. Falou das rusgas com Brizola e Paes, e não poupou Lula, nem Bolsonaro. Com dificuldades de locomoção, ele ainda não vislumbra se aposentar do trabalho parlamentar. Parte do seu acervo poderá ser vista em exposição sobre sua vida que abre hoje na Câmara Municipal.
Como nasceu seu interesse pela política?
Fiz o primário no Instituto de Educação, na Tijuca. Depois, fui para o Colégio Santo Inácio, onde fiz o ginásio. Mais tarde, fui estudar engenharia em Ouro Preto (Minas Gerais). E foi ali que entrei para o Partido Comunista (1964). A política começou ali mesmo. De lá fui para Belo Horizonte, já profissionalizado e fui preso duas ou três vezes. É claro que meu pai teve alguma influência na opção pela política. Ele era diretor da Casa da Moeda e isso, naturalmente, gerava uma empatia pela política.
Devido à militância política durante a ditadura militar o senhor foi preso e se exilou no Chile. Como foi sua saída e depois o retorno ao Brasil?
Sim, fui preso algumas vezes. Uma delas durante o Congresso da UNE (em Ibiúna, próximo a São Paulo, em outubro 1968). Foi a última antes de seguir para o Chile por causa da repressão. Minha mãe me levou até Buenos Aires, e de lá fui para Santiago. Foi onde me formei em Economia. Depois, as coisas começaram a ficar complicadas no Chile também, no governo de Allende (presidente chileno deposto pelos militares no golpe de setembro de 1973), voltei para o Brasil (passando antes por Portugal). Meu pai conseguiu com um coronel do Exército que eu fosse recebido no aeroporto sem constrangimentos. Me levaram para casa, depois me levaram preso de novo.
Durante as prisões, o senhor teve medo de que pudesse acontecer algo mais grave a exemplo do que se passou com tantos outros presos políticos como o ex-deputado Rubens Paiva, por exemplo, cujo caso foi retratado recentemente no filme Ainda Estou Aqui?
A gente sempre ficava preocupado. Principalmente quando estive preso no Dops (Minas Gerais), era uma época em que eles estavam torturando. Via gente arrebentada chegando. Teve um amigo meu, que era do partido, que vi passar completamente machucado, sofrendo.
Em algum momento o senhor foi torturado?
Não diretamente. A única vez que me fizeram algum tipo de… Foi lá na escola militar, em Belo Horizonte. Eles vinham para interrogar, aí vinha um e batia. Depois ele dizia: “olha, eu sou o amigo daqui a pouco vem o que é inimigo e você vai ver o que é”. Faziam esse jogo para a gente ficar com medo.
Dando um salto no tempo: como surgiu sua relação com o Brizola e o PDT?
O pai de um aluno meu era amigo dele. O Brizola tinha um escritório em Santa Teresa e esse senhor me levou até ele e nos apresentou. Não tinha contato com o Brizola, conhecia de longe, claro. Conversamos, e ele disse que precisava de alguém na área da economia. Acabou que eu saí dali como uma espécie de assessor do Brizola. Como ele não conhecia nada do Rio direito, eu preparava textos sobre os lugares que ele ia visitar.
Que lembranças mais marcantes o senhor tem da campanha do Brizola ao governo do Estado do Rio em 1982?
Fiquei muito próximo dele. Fizemos a famosa apuração paralela das eleições. A gente pegava os boletins de urna, fazia cópia e enviava para contagem em outro estado. Assim, conseguimos mostrar que havia manipulação de dados, o caso da Proconsult (empresa ligada a militares, contratada pelo TRE para apurar as eleições).
O impacto foi grande, certo?
Gigante. A apuração oficial não batia com a nossa. Fomos até o presidente do TRE e mostramos os dados. Um coronel da Proconsult disse: “Então, melou.” Ficou evidente que estavam tentando fraudar.
Como foi o convite para que o senhor assumisse a Secretaria de Fazenda?
O Brizola me chamou e disse: “Senhor César, você vai ser meu secretário de Fazenda”. Eu respondi: “Governador, não tenho nada a ver com Fazenda. Talvez Planejamento, mas Fazenda não”. E ele: “Você faz conta muito bem. Vai ser um excelente secretário de Fazenda”.
Depois disso o senhor foi deputado constituinte e reeleito. Até que lança sua candidatura à prefeitura do Rio…
Eu era deputado quando o Ulisses Guimarães me chamou. Disse que queria arrumar o PMDB, criticou o controle que o Moreira Franco exercia aqui. Ele me chamou e disse: “César, você vai ser candidato a prefeito”. Eu disse: “Não tenho condição”. Ele respondeu: “Sua missão é chegar em terceiro lugar”.
Mas o senhor acabou vencendo…
Sim. No começo, não passava pela minha cabeça que eu venceria. Mas o Ulisses fez campanha de verdade comigo. Lembro de um dia chuvoso, eu sozinho na Avenida Atlântica, e ele me chamou numa loja: “Vamos fazer uma foto, um vídeo, mostrar que estou contigo”. Fui crescendo nas pesquisas e acabei indo para o segundo turno com a Benedita, vencendo por uma diferença mínima.
Durante a campanha de 1992 aconteceu uma onda de arrastões no Arpoador. O senhor chegou a dizer numa entrevista que chamaria o Exército se fosse necessário. O tema acabou influenciando na disputa eleitoral?
Num debate com a Benedita, ela provocou, dizendo que eu não podia falar em chamar o Exército. E eu disse: “Eu vou chamar Exército, Marinha e Aeronáutica, todo mundo pra apoiar”. Foi um recurso retórico. Saiu de uma entrevista, por causa dos arrastões nas praias da Zona Sul. Ela provocou, eu reagi. Aquilo ficou marcado.
O senhor acha que essa fala ajudou a ganhar a eleição?
Ajudou. Mas não foi só isso. A Benedita gerava incertezas para a classe média. Isso contou muito. Ganhei por uma diferença pequena, mas ganhei. A Cidinha era favorita, mas ficou fora. Fui para o segundo turno contra a Benedita e ganhei por uma diferença mínima, menos de 2%.
Quando o senhor assumiu, quais eram os principais desafios da cidade?
A desordem urbana era enorme. Camelôs tomavam Copacabana, Ipanema, Leblon… Comecei pela Nossa Senhora de Copacabana. Descobri que os comerciantes tinham uma certa aliança com os camelôs. Então resolvi fazer um acordo: nada de repressão, mas reorganização. Deu certo. Esvaziamos a Nossa Senhora de Copacabana, depois a Atlântica, e até a Uruguaiana — que foi a mais difícil.
Como surgiram os projetos Rio Cidade e Favela Bairro?
O Rio Cidade começou com o Conde (Luiz Paulo Conde, que foi secretário de Urbanismo e sucedeu a Cesar Maia na prefeitura) que reuniu um grupo de arquitetos do IAB. Ele teve um papel muito importante para fazer o Rio Cidade. Foi fazendo. Já o Favela Bairro surgiu com o apoio do Enrique Iglesias, do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Eles tinham experiência internacional. A prefeitura, com gente como o Sérgio Magalhães (arquiteto, foi secretário de Habitação), entrou junto. Foi uma parceria muito bem-sucedida.
Essa repaginada na cidade nasceu ainda durante a campanha?
Sim. Durante a campanha já estávamos estruturando essas ideias. Quando fui eleito, elas já estavam bem encaminhadas.
E qual foi a maior crise dos seus governos?
A da saúde, sem dúvida (em 2005, terceiro e último mandato, quando o governo federal retomou unidades que haviam sido municipalizadas). Foi uma crise grave, muito politizada. Grupos de esquerda faziam protestos na porta dos hospitais.
Também houve a enchente de 1996…
Estava viajando, cheguei, entrei no helicóptero da TV Globo e fui fazer um sobrevoo. Foi um cataclismo. Choveu demais em pouco tempo. Eu disse, ao vivo, quando a repórter perguntou de quem era a responsabilidade: “É minha”. Eu disse. “O que acontece no Rio, eu sou o responsável”. Assumi a responsabilidade. E isso foi reconhecido. Minha popularidade cresceu. Assumi a responsabilidade. E isso foi reconhecido. Minha popularidade cresceu.
O senhor sente que houve algo que gostaria de ter feito e não conseguiu, o Guggenheim por exemplo?
O Guggenheim (museu nova-iorquino que possui outras três unidades na Europa que Cesar Maia queria trazer para a região portuária do Rio)) foi um projeto que defendi. Parte da estrutura ficaria submersa, mas houve uma campanha contra. Resultado: acabei fazendo a Cidade das Artes.
A proposta original da Cidade das Artes era diferente?
Sim. Era para ser a sede da Orquestra Sinfônica Brasileira. Só música clássica. O projeto previa isso, com palco enorme e salas de acústica especial.
O senhor se arrepende de ter construído a Cidade das Artes?
Não. Foi tudo bem. Sofri muitas críticas, especialmente por causa do projeto do Guggenheim. Na campanha, as pessoas confundiam e me xingavam achando que a Cidade das Artes era o tal “Guggenheim carioca”. Fui muito atacado por isso.
O senhor ficou conhecido por factoides e excentricidades, como usar casaquinho no verão e pedir sorvete no açougue. Foi planejado?
Não, foi natural. Mas também ajudou a me tornar conhecido pela população. No fim, a marca do prefeito maluco não ficou.
O que mais orgulha o senhor nesses três mandatos?
Acho que foi ser reconhecido como um bom gestor. Isso colou. Eu fazia campanha e ouvia: “É um grande administrador”. Isso me dá orgulho.
Qual o maior legado das suas administrações para a cidade?
A ordem urbana. A cidade que recebi e a cidade que deixei foram muito diferentes. O programa Rio Cidade, por exemplo, ajudou muito a transformar bairros como Leblon, Ipanema, Copacabana… A cidade foi reorganizada e isso foi reconhecido.
O senhor acredita que o Pan-Americano (2007) foi fundamental para o Rio conquistar a Olimpíada (2016)?
Com certeza. Embora a vitória tenha sido no governo do Eduardo Paes, toda a preparação foi feita no meu último governo.
O senhor foi pioneiro no uso da internet. Como lida com a inteligência artificial?
Eu usava muito e-mail e ainda hoje uso bastante o celular. Respondo tudo. WhatsApp, e-mail… Bateu aqui, eu respondo. Nunca parei para pensar nisso (sobre IA). Não tenho uma reflexão formada. Mas estou sempre conectado.
Gosta de ser vereador?
Fui prefeito, o que já é um pouco ser vereador. Nos últimos anos, fiquei com mobilidade reduzida. Tive um problema na cabeça, depois quebrei o dedo do pé. Então atuo on-line. Voto, acompanho tudo. Respondo tudo pelo celular. Continuo muito ativo.
Pretende continuar na política?
Por enquanto, sim. Mesmo virtualmente, minha participação é grande. Nas últimas eleições, fiz campanha só pelo celular por causa da mobilidade.
O senhor fez uma transição da esquerda para a direita, do PCB para o PFL. Como vê a polarização política nos dias de hoje?
Quando eu fiz essa transição, na verdade o que aconteceu é que a política fez a transição. Tirando um ou outro grupo mais extremista o resto passou a operar no centro, sem problema. Agora, hoje a gente vê com preocupação a participação política pela direita e pela esquerda… Com preocupação. Aquela sessão da Câmara com o Haddad… Molecagem, aquilo para mim não existe (referindo-se ao bate-boca entre parlamentares de oposição e o ministro da Fazenda em reunião na Câmara dos Deputados).
Como vê o atual governo Lula?
O ministério do Lula não tem nomes fortes. O Haddad, por exemplo, não encanta. A cena do Lula sentado no chão no Grand Palais, em Paris, olhando o teto, foi simbólica. Não inspira mais adesão.
E Bolsonaro?
Não tive contato próximo. Quando éramos deputados, fiz um projeto a pedido da Marinha e ele reagiu mal. Se achava dono do tema das Forças Armadas. Na votação, elogiou o Ustra… inacreditável.
Se tivesse que escolher entre Lula e Bolsonaro com quem tomaria um café?
Não tem nem o que responder… com Lula, claro.
E sua relação com Eduardo Paes? Houve rompimento?
Mais ou menos. Ele e o Rodrigo, meu filho, são íntimos. São gêmeos, praticamente. Então, nunca se tem problema. Essa votação sobre a Guarda Municipal armada, o Rodrigo, lá de São Paulo telefonou pedindo para eu votar. Minha relação com o Eduardo é distante. Nunca tive um rompimento com o Eduardo. Houve um certo afastamento. Nunca tive ruptura com político nenhum.
Nem com o Brizola?
Com Brizola, teve um afastamento, mas nunca ruptura. Tivemos um afastamento natural, pois ele passou a operar um tipo de política diferente. Quando eu fui eleito prefeito pela primeira vez ele era governador e me chamou no Palácio Guanabara. Nos sentamos nos jardins e conversamos. Eu tenho essa fotografia.
Em sua vida política, o senhor teve algumas derrotas, como para o governo do estado, em 1998 quando foi derrotado por Anthony Garotinho e para o Senado. O senhor se sente frustrado por não ter sido governador, senador ou até presidente?
A derrota para o governo foi a que mais me doeu, pois eu me preparei muito para essa campanha. Nunca fui frustrado, mas senti bastante essa derrota. A candidatura para o Senado foi inventada pelo Rodrigo e pelo próprio Eduardo. Nessa eleição, venci Lindbergh e Chico Alencar, mas perdi para o Arolde de Oliveira, na onda bolsonarista.
Como o senhor vê a cidade do Rio hoje, em relação ao tempo em que esteve na política?
A maior questão hoje é a segurança pública. É inacreditável. Vejo notícias diárias de mortes e roubos. A opção do Eduardo Paes por uma guarda armada é um risco muito grande para ele. Segurança pública é um problema complexo.
O senhor votou a favor da Guarda Municipal armada. Como vê essa iniciativa da prefeitura?
Eu fico torcendo para dar certo, mas acho que não é uma tarefa fácil.
E sobre a ação recente do Bope no Santo Amaro que resultou na morte de um jovem?
Foi um absurdo. Entrar numa área de festa junina com efetivo pesado não poderia dar certo.
Mudando um pouco de assunto, o senhor ainda tem aqueles famosos casacos do tempo em que esteve na prefeitura?
Hoje eu só tenho dois casacos. Muitos foram doados, dados e ninguém lembra para quem. É como as corujas que eu também tinha, só ficaram duas, o que é pouco. Muitos objetos foram dados porque as pessoas entraram na minha sala e pediram.
O senhor continua com a rotina de acordar cedo para ler os jornais?
Sim, acordo entre 4h30 e 5 h e vou dormir tarde porque fico assistindo futebol, o jornal. Durmo cerca de 4 horas à noite, tomo café da manhã e, agora, tem uma novidade: depois venho para cá (uma poltrona na sala de casa) e durmo mais uma ou duas horas.
Ainda acompanha muita ópera?
Não tanto, mas acompanho uma ou outra, e continuo mandando para a família toda.
O senhor tem uma espada e uma espingarda na sua sala. Pode contar a história delas?
A espada é um presente que o Rodrigo trouxe do Azerbaijão. A espingarda é diferente, uma relíquia da Bolívia, da guerra de independência, que comprei lá e levei comigo. No aeroporto de Santa Cruz de la Sierra, a alfândega abriu, ligaram para superiores e trataram aquilo como uma relíquia histórica.
O senhor sempre foi um grande leitor. Ainda lê livros?
Confesso que não leio muito mais, a visão prejudicou um pouco. Leio jornais e revistas todos os dias, mas livros com menos frequência.
Tem algum registro histórico guardado da sua gestão?
Tem bastante coisa, papéis, álbuns, cadernos de recortes que minha mãe fazia, fotos importantes, charges, até um quadro do dia que fui preso.
Como o senhor gostaria que os cariocas lembrassem do seu legado?
Gostaria de ser lembrado como um grande administrador. É o que as pessoas dizem até hoje, tanto na rua quanto na Câmara.
O senhor é botafoguense, certo? Sonhava com títulos importantes para o time?
Sim, sou botafoguense, mas não tinha essa esperança de títulos simultâneos, é difícil. Mas curti bastante quando ganharam.
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