A Câmara de Conciliação sobre o marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF) realizou sua última sessão nesta segunda-feira (23), com a formatação final das propostas sobre as quais houve consenso nos mais de 10 meses de trabalho do grupo.
A iniciativa foi do ministro Gilmar Mendes, que é relator de uma série de ações que questionam a constitucionalidade da lei 14.701, que instituiu a tese do marco temporal, e previa, entre outras coisas, a autorização para a mineração em terras indígenas. No entanto, esse e outros dispositivos sobre os quais não houve consenso foram retirados da minuta, assim como os dispositivos que alteram o rito demarcatório. Essas propostas devem ser levadas ao Plenário da Corte para que o conjunto dos ministros decidam sobre a matéria.
Bruna do Amaral, advogada do Partido Socialismo e Liberdade (Psol), uma das entidades que entrou no STF com ações questionando a constitucionalidade da lei 14.701, se disse parcialmente satisfeita com alguns encaminhamentos, como a eliminação da possibilidade de mineração em terras indígenas, mas destacou que o partido vai seguir trabalhando pela garantia dos direitos dos povos indígenas.
“Nada saiu exatamente do da forma ideal do mundo ideal que nós buscávamos, mas do que foi possível dentro das negociações aqui. E é claro que a atuação do Psol não termina aqui. (…) ainda não tem um texto fechado sobre indenização, sobre as benfeitorias, por exemplo. Então sim, ainda há muita coisa para ser debatida e nós queremos assegurar é o direito indígena. Esse é nosso objetivo”, destacou.
Na pauta do dia, estava a apresentação de um Plano Transitório de Regularização das Terras Indígenas por parte dos representantes da União. No entanto, o representante da Advocacia Geral da União (AGU), Júnior Fidelis, afirmou que o plano será juntado ao processo até a quinta-feira (26), quando encerra o prazo de vigência da Câmara de Conciliação.
“Nós ficamos na expectativa até horas antes da reunião de hoje de que nós poderíamos, eventualmente, tomar essa decisão ainda hoje, mas não foi possível tê-la ainda hoje. Foi nesse sentido que o ministro [Jorge] Messias dialogou com o ministro Gilmar [Mendes] no horário do almoço, informando a ele que não seria possível nem juntar o plano aos autos e nem apresentá-lo aqui de público. Mas reafirmou o compromisso de apresentá-lo nos autos até quinta-feira e é isso que nós esperamos que aconteça”, afirmou o servidor da AGU.
Já coordenador das audiências, o juiz auxiliar do gabinete de Gilmar Mendes, Diego Veras, chamou a atenção para a ausência do plano, sendo esta a última sessão de debates públicos sobre o tema no âmbito do STF.
“Como é a nossa última audiência, e eu vou ser bem sincero, Dr. Fideles, do ponto de vista da técnica de mediação e conciliação, não é indicado peticionar, porque uma simples petição pode dizer assim: ‘Não concordo’. E toda essa riqueza de debate que está acontecendo aqui, de alteração, de redação, de propostas, ela acaba se perdendo”, criticou Veras.
Diante disso, o advogado do Partido Liberal, Rudy Maia Ferraz, defendeu a prorrogação da comissão como forma de garantir que o plano seja debatido pelos membros da comissão. “A proposta de transição é um dos pontos mais importantes que nós tivemos durante esse debate. Acho que é importante a gente trazer também, se tivermos oportunidade, claro, e dependendo do que o ministro decidir, de prorrogarmos o trabalho da comissão, para podermos conseguir construir eventualmente uma transição rápida, célere e com segurança jurídica a todos os envolvidos”, afirmou.
No entanto, Veras não se comprometeu em nome do ministro Gilmar Mendes. “Nós temos até o presente momento é que hoje seria a última reunião”, afirmou.
Entenda a controvérsia
Em setembro de 2023, o STF declarou inconstitucional a tese do marco temporal, sobre a qual somente terras indígenas ocupadas por seus povos originários na data da promulgação da Constituição de 1988 podem ser demarcadas.
No entanto, como forma de conciliar os direitos dos povos indígenas – representados pelos advogados da AGU, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) – com os interesses dos ruralistas – representados por partidos políticos vinculados ao agronegócio, como o Progressistas, Republicanos e o Partido Liberal –Mendes instituiu a criação da Câmara de Conciliação, e propôs um anteprojeto para alterar a lei 14.701.
A ideia do ministro era criar dispositivos legais que atendessem aos interesses dos ruralistas, com a contrapartida de manter o entendimento de inconstitucionalidade sobre o marco temporal.


A Câmara de Conciliação deveria ter encerrado os trabalhos em abril deste ano, mas a falta de acordo sobre temas centrais do anteprojeto fez com que o ministro Gilmar Mendes prorrogasse os trabalhos por mais 90 dias, prazo que se encerra na próxima quinta-feira (26).
Indígenas se retiram
Como parte em uma da ações que correm no Supremo, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) integrou a Câmara de Conciliação até agosto de 2024, quando decidiram se retirar, declarando se tratar de uma tentativa forçada de conciliação que coloca em negociação os direitos dos povos indígenas.
A Apib argumenta que não é de atribuição do Poder Judiciário a elaboração de um anteprojeto de lei e que cabe ao STF apenas julgar a constitucionalidade da lei aprovada pelo Congresso. Nesse sentido, os indígenas reivindicam que sejam anulados os trabalhos da câmara e o julgamento dos embargos de declaração referentes ao julgamento do marco temporal de 2023, última fase antes da homologação do entendimento firmado pelo STF.
Um dos pontos de debate na tarde desta segunda-feira foi o encaminhamento das propostas surgidas da comissão, já que não houve consenso sobre alguns dispositivos. Segundo o coordenador do processo de conciliação, o que acontecerá agora dependerá da decisão do ministro Gilmar Mendes. “O ministro [Gilmar Mendes] não deliberou sobre o que vai fazer sobre o produto desta comissão, se ele vai submeter tão somente isso ao plenário, se ele vai retornar aqui para a votação ou se o que ele vai fazer sobre isso, não decidiu sobre isso. Então não, nós não temos como dizer o que ele vai produzir”, afirmou.
“Há vários dispositivos ali que estão em aberto, alegações que estão em aberto. É como a gente fala desde o começo: o que a comissão não resolver, o plenário vai resolver”, completou.
O resultado da comissão de conciliação não exclui a necessidade de que o plenário do STF analise as ações de inconstitucionalidade que questionam a lei 14.701.
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