

A novela do Imposto sobre Operações Financeiras, o IOF, teve mais um capítulo. Após o esperneio do mercado e dos seus prepostos no Congresso, o governo recuou em algumas medidas da proposta original e diversificou as fontes de arrecadação e regulação.
Mas a Câmara está empenhada a chantagear o governo – e pautou um pedido de urgência, a ser votado nesta segunda, para derrubar a proposta. “O clima na Câmara não é favorável para o aumento de impostos”, disse o presidente da Câmara, Hugo Motta, do Republicanos da Paraíba.
Só que o que fez a Faria Lima ficar de péssimo humor e bradar injúrias ao governo teve vida bem curta. O governo propôs passar a cobrar IOF sobre transferência de recursos destinados à aplicação em fundos de investimento no exterior. O mercado entendeu essa medida como “controle da conta de capitais” e gritou mais alto.
O controle de capitais, muito sucintamente, é um instrumento de política econômica que serve para o governo direcionar a entrada ou a saída de recursos nacionais ou estrangeiros do país. A China é um bom exemplo de país que tem algum controle sobre os capitais. Através dele, o governo chinês pode direcionar ou mesmo selecionar os capitais de acordo com um projeto de desenvolvimento.
Aliás, é bom lembrar que a ausência de controle na conta de capitais é justamente o que permite ao mercado fazer a sua chantagem cotidiana, operando a desvalorização do real sempre que o governo fala algo que desagrada. Se houvesse algum tipo de taxação para a saída desse capital especulativo e de curto prazo no país, possivelmente nós teríamos mais estabilidade na taxa de câmbio – e, portanto, menos inflação.
Debelado o primeiro impasse, o tema permaneceu como um bode na sala. Mas o governo acertou: esticou a corda, propondo de cara algo que tanto o mercado quanto o Congresso não aceitariam, e, ao que parece, criou melhores condições de barganha. Criou a possibilidade para apresentar um projeto ainda mais ousado na tributação do andar de cima da pirâmide social. O importante, agora, parece ser retirar o “bode do IOF”.
O conjunto de propostas apresentadas tem um alvo muito claro: o andar de cima da pirâmide social.
A proposta apresentada pelo Ministério da Fazenda no dia 11 de junho oferece uma aparente boa saída para o impasse que o governo se auto impôs. Basta lembrarmos que quem apresentou a meta fiscal do déficit zero em 2025 foi o próprio governo – ou seja, não foi uma derrota construída pelo Congresso Nacional.
Precisando honrar a promessa do “déficit zero” (ou seja, receitas igualadas com as despesas), o governo aproveitou para corrigir algumas distorções bizarras da nossa estrutura social.
A começar pela aplicação de uma alíquota de 5% sobre os rendimentos em aplicações de debêntures incentivadas (quando as empresas captam recursos para financiar seus projetos lançando títulos no mercado), Letras de Crédito do Agronegócio e da Indústria (LCA e LCI) e Certificados de Recebíveis do Agronegócio.
Essas siglas significam, basicamente, que alguns setores podem lançar papéis de dívidas que serão comprados por agentes privados, e o recurso arrecadado servirá como fonte de financiamento mais barata para o agronegócio ou o setor imobiliário, nesse caso.
Com isso, esses títulos de renda fixa passarão a ficar mais equalizados com os demais. No caso do agronegócio, é uma correção importante. Afinal, o setor tem um benefício tributário para captar recursos via LCA, o que é considerado um gasto do governo, e ainda é beneficiado por fartos créditos subsidiados, o que também é considerado um gasto do governo.
Outro ponto importante da medida apresentada é o aumento de 12% para 18% de imposto sobre o rendimento das empresas de aposta, calculado após o pagamento do prêmio. Melhor ainda: parte substancial desse recurso vai para a saúde. Nada mais acertado, partindo da constatação que há provas suficientes de danos à saúde ocasionados pelo vício em apostas.
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Outras duas mudanças apareceram nessa última versão que merecem destaque: a primeira delas foi o aumento para 20% no imposto de renda. Cobrados em juros sobre capital próprio, uma das formas de remuneração do capital que é investido pelos próprios sócios de uma empresa, a medida contribui para deixar nossa estrutura tributária mais progressiva. Isso porque haverá mais contribuição apenas para os andares mais elevados da pirâmide social, em especial com correções importantes na tributação direta, aquela que é feita sobre a renda. No caso do pagamento de IR para aplicações financeiros em LCI e LCA.
A proposta também modifica a Contribuição Social sobre Lucro Líquido das instituições financeiras. A contribuição alternativa de 9% e é unificada em 15% ou 20%, dependendo do montante.
Então, qual é o problema? O mercado e nossos congressistas enchem a boca para dizer que é necessário cortar gastos. O governo apresentou uma alternativa – no entanto, ela parece não ter sido muito bem recebida. Os rumos na mídia é que já se formou uma maioria no Congresso, mesmo com partidos que fazem parte do governo, para derrubar a proposta de Medida Provisória.
Em síntese, o conjunto de propostas apresentadas tem um alvo muito claro: o andar de cima da pirâmide social. Fica cada vez mais claro, no entanto, que o mercado e seus representantes não estão comprometidos moralmente com o equilíbrio fiscal.
Eles também sabem que isso é balela e que governos não quebram quando estão endividados na própria moeda, como é o caso do Brasil. O que eles querem é a retórica: é a demagogia de apregoar que é necessário cortar gastos, mas os gastos sociais.
O post IOF: a Faria Lima quer cortar gastos. Mas só os sociais. apareceu primeiro em Intercept Brasil.