
Falar e calar são faces da mesma moeda e o grande desafio será lidar de forma oportuna com ambas as faces “Às vezes, o silêncio nos protege; outras, nos afasta de quem mais amamos.”
O que encobre a transgressão adquire amor, mas o que traz o assunto à baila separa os maiores amigos. Pv 17.9
Enquanto calei os meus pecados, envelheceram os meus ossos pelos meus constantes gemidos todo o dia. Sl 32.3
Vivemos em um mundo barulhento, onde somos constantemente pressionados a opinar, reagir, publicar, expor. Mas, paradoxalmente, há momentos em que o verdadeiro cuidado com a vida – nossa e dos outros – nasce justamente do silêncio.
A psicologia familiar alerta que a comunicação — ou a ausência dela — é uma das grandes responsáveis pelos desencontros e adoecimentos emocionais dentro dos lares.
Na tradição cristã, o silêncio costuma ser exaltado como virtuoso. Talvez isso venha da postura de Jesus durante seu julgamento: mesmo diante de injustiças e ofensas, escolheu silenciar. Um silêncio que não era amedrontamento, mas fruto de discernimento. Escolheu o silêncio como resposta à violência, como se dissesse: “Nem tudo precisa ser revidado”. Foi um silêncio maduro, cheio de sentido.
Entretanto, essa mesma tradição não ressalta que Jesus também foi um homem que falou – e muito. Durante os anos de seu ministério, ele não hesitou em denunciar injustiças, expor hipocrisias, enfrentar estruturas opressoras e dar voz aos invisíveis. Ele não silenciava diante da banalização ou indiferença do sofrimento dos mais pobres e emudecidos sociais.
O silêncio, portanto, pode ser tanto um gesto de sabedoria quanto uma forma de covardia e omissão.
Há silêncios que protegem; outros que adoecem!
Como psicólogo e conselheiro de casais, acompanho histórias em que o silêncio se tornou um muro: um deixou de dizer o que sente, o outro aprendeu a não perguntar.
Mas, calar pode ser uma manifestação de amor e respeito, que proporciona ao relacionamento um espaço de escuta, compreensão e reconciliação. Por outro lado, silenciar pode significar: abandono, distanciamento, desistência e até mesmo uma espécie de assédio emocional, levando o outro ao esgotamento psicológico.
O Salmo 32, escrito há milhares de anos, ilustra o que é, hoje, sublinhado pela psicossomática moderna: “Enquanto calei, meus ossos envelheceram.” Ou seja, reprimir emoções, segredos, dores — especialmente no ambiente familiar — pode gerar impactos concretos na saúde emocional e física.
Logo, alerto que o silêncio em dada medida e dependendo das motivações, pode ser adoecedor e gerar patologias psicofísicas importantes. E pior — pode machucar não só quem se cala, mas também aqueles que precisariam da nossa voz como proteção, amparo, denúncia ou mesmo afeto.
Por outro lado, já vi muitos relacionamentos serem preservados justamente quando alguém escolheu silenciar diante de algo que poderia ferir — não por medo ou omissão, mas por sabedoria. Às vezes, o silêncio nos protege do impulso de dizer algo que ainda não está maduro para ser dito. Um silêncio que cuida, que espera, que abre espaço para o tempo e para o afeto fazerem o que a urgência não conseguiria.
Por isso, não idealize o silêncio como evidência de maturidade espiritual, força interior ou mesmo saúde emocional. Pois, falar e calar são faces da mesma moeda e o grande desafio será lidar de forma oportuna com ambas as faces.
Há de se ter sensibilidade, consciência e discernimento para falar de forma apropriada e calar de forma oportuna.
Um dito beneditino diz que devemos falar quando todos acreditam que se deve calar e silenciar quando todos acreditam que se deve falar.
Então, silencie quando isso significar vida, encontro e pacificação. Por outro lado, fale corajosamente, quando perceber que o silêncio pode apontar para sofrimento, medo e sequestro da dignidade e de sua singularidade.
Boas falas e boas escutas!